O Pombo

Outro dia, sentei-me num banco de praça, no centro da cidade, para esperar. A tarde caía, e as pessoas se agitavam para recolher barracas, tomar lotações, fechar lojas, etc.

Adiante, havia um chafariz estagnado, cheio de água suja, repleta de girinos. Pensei que era um monumento adequado ao seu entorno: água suja para uma cidade suja; animais sem identidade (já que o infeliz do girino nem é peixe nem é sapo) para pessoas sem identidade.

Mais perto de mim, uma quadrilha de pombos ciscava sobras pelo chão. Dentre eles, havia um com um cordão preso aos pés. Ele andava todo desengonçado, já que o velho cordão lhe embaraçava os passos, e voava meio a pulso, já que o velho cordão lhe desajeitava o vôo. Em virtude dessa desvantagem artificial, era o mais magrinho de todos, pois tinha de se contentar em comer sobras de sobras. Além disso, seus olhos eram tristes e distantes.

Fixei a vista nele um tempo, e de repente meu coração cresceu, meus olhos se encheram de lágrimas. Fiquei todo encabulado, dramático, e tive de sair dali, para que não pensassem que eu era algum suicida urbano ou vítima de dor de cotovelo (vulgo: Corno).

Fui a um boteco. Pedi uma mesa nos fundos, depois do banheiro, já no quintal, debaixo de uma mangueira antiga, e entornei uma dose de cuba-libre. Pedi mais uma. Acendi um cigarro, pensando no diabo daquilo que me havia acontecido, na razão daquela súbita e intensa comoção…

Demorou, mas entendi: como aquela avezinha, sou eu, pobre Pablo, e o cordão que trago atado aos pés é essa sensibilidade para com tudo, que não me deixa caminhar entre iguais sem tropeçar, e nem voar me deixa, e me emagrece das coisas da vida dos homens.

É isso, meu choro é isso; e essas palavras, se não param pelo cordão, se espalham pelas calçadas, marquises e telhados, feito o cocô do pombo enganchado em si mesmo.