A mão da vida

Às vezes, quase que do nada, a mão da vida nos pousa nos ombros para sussurrar coisas doces. É uma espécie de trégua, um acalanto ao homem-trabalhador, ao exausto-dos-dias.

E isso me acontece hoje, nesta sexta-feira à tarde em que, à moda Antônio Maria, sento-me num banco de praça e acendo um cigarro.

Já os ombros encurvavam; já o bocejo da semana acumulada saía de meus dentes escancarados, quando houve uma enorme pausa. Quando tudo adocicou. Quando uma brisa entrou-me pela gola da camisa e me disse ao peito: acalma, pega leve, dá paz a esse pingente de São Jorge…

Lembrou-me que ainda há música pela vida, que ainda a língua portuguesa esta aí, para ser o que pensamos, com sofrimento e maestria. Lembrou-me que ainda há uma mulher em casa, esperando; uma bela mulher de cabelos presos que bebe café, num gesto que pertence ao inexprimível deste pobre cronista.

Sorrio, e desenho na fumaça uma silhueta feminina, em torno a notas musicais. Penso nos amigos a quem quero bem, e a lembrança de abraçá-los vale um abraço maior, em que o coração se estreita, as sobrancelhas retesam, os olhos marejam para além.

Vivemos nesse mundo destruído e, ainda assim, aqui e acolá uma aurora brota de nossa humanidade como uma oferenda à ofensa que nos impõem; e essa sexta-feira à tarde é isso, isso a dizer: santo Pai, vê que nem tudo em nós é ruim; vê que ainda há amor; fazei-o crescer e multiplicar-se.

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