Ouvindo conversas
Itamaury Teles
Não que eu seja bisbilhoteiro ou enxerido. Mas, talvez por força do ofício, costumo prestar atenção no que ocorre no meu entorno. Para usar um termo mais palatável, diria que sou antenado com as acontecências próximas. Talvez soe melhor.
O que gostaria de compartilhar com o leitor são os ruídos, pruridos e causos ouvidos numa viagem de ônibus a que me aventurei, indo para o Rio de Janeiro. Às vezes, rio sozinho, com o zíper da minha calça blue jeans, de certas conversas que ouvi...
Durante a viagem, ainda na boca da noite, proseei com Dona Cleonice, irmã do João Faria – conhecido como João Carroceiro ou João Catopê - que contou-me sobre o reencontro dela com seus irmãos, que não via fazia mais de 40 anos, favorecido pela internet, que também tem seus benefícios.
Nas dezesseis longas horas de percurso, já que saímos às 15h30, de Montes Claros, o que mais me chamou a atenção foi o choro de um menino, que deveria ter, no máximo, seis meses de idade. Com o pranto insistente e parecendo ser a jovem mãe uma “marinheira de primeira viagem”, todas as mulheres do ônibus começaram a interferir para ver se aquele menino parava de esgoelar. A Dona Cleonice foi a primeira a tentar diagnosticar o problema:
- Menino chorando, de duas uma: ou é dor ou é fome.
Como a mãe não se dignou a alimentar a criança, outra senhora, sentada na poltrona ao lado do menino chorão, também palpitou:
- Pode ser cólica...
E a mãe, sem nada dizer, lá chacoalhando o menino, e ele num choro incontido, que incomodava a todos.
Uma mulher mais idosa, que acordou depois de uma pestana, sentenciou:
- Tem de colocar ele de bruços...
Um jovem mulher, incomodada com aquela latomia, saiu de sua poltrona, no fundo do ônibus, e tomou o menino no colo. Depois, o colocou de barriga pra baixo em seu ombro e começou a dar palmadinhas nas costas do chorão, esperando um arroto, mas nada. O garotinho continuava a chorar, a plenos pulmões...
Dona Cleonice, em meio a três netas que trouxe para conhecer seus irmãos montes-clarenses, mais uma vez, deu sua opinião:
- Agora eu acho que é dor de ouvido. É só colocar um pano quente na orelha dele, que melhora.
Mas, antes mesmo que alguém se dispusesse a procurar um improvável pano quente dentro do ônibus, o menino parou de chorar, repentinamente, como num passe de mágica. Até suspeitei de reza brava, mandingas, essas coisas meio esotéricas.
Depois, minha atenção voltou-se para a prosa da jovem mulher que pegara o menino no colo com uma amiga, que reencontrara casualmente no ônibus. Em meio a sonoras gargalhadas, contou suas agruras com um pivô que se soltou, quando comia um pão, em Ilhéus, na Bahia. Procurou dentista por perto da pousada e encontrou um certo Dr. Faz. Apesar de estranhar o nome do protético, resolveu encarar. Ela temia que a cola que colocara no pivô não fosse de boa qualidade e o dente pudesse se soltar novamente. Assim, já com a boca aberta, apontou para o dentista o referido dente.
Operando um boticão, o Dr. Faz acabou por extrair outro pivô da sua boca e, no safanão para tirá-lo, fez soltar também o que estava frouxo e ela quase o engole...
Suponho que todos os pivôs tenham voltado para os seus devidos lugares. O sorriso da jovem mulher não deixava antever qualquer falha na alva dentição.
Embora minha alma risse, confesso que ouvi tudo em absoluto silêncio, mantendo a discrição, como convém a um cronista interessado em conversas alheias.