As estrelas
Quando a noite vem ela nos empobrece radicalmente. Ao nos tirar a luz, arrebata-nos todo o imediato. A noite abre as portas do viveiro em nosso interior, de todos aqueles velhos medos, fazendo-nos sentir pobres e desprotegidos. A noite nos faz sentir a necessidade de crer no anjo da guarda, faz com que a criança desperta vá procurar refúgio em sua mãe.
A noite, ao nos tirar com a luz a presença do imediato, torna a acender muito acima, muito longe, a luz das estrelas infinitas.
As estrelas precisam da escuridão para poder brilhar. Ou talvez não sejam as estrelas que precisam de escuridão. Na realidade, somos nós que precisamos ser libertados do nosso viveirinho luminoso, para podermos ver os imensos astros das lonjuras que lá estão, brilhando desde sempre. Ao arrebatar-nos o imediato, a escuridão nos torna abertos a ver o real que brilha muito além. Abre-nos o horizonte até as dimensões do universo. Obriga o homem a empreender vôo. A presença das estrelas na noite permitiu a nossos ancestrais largar-se terra adentro, fazer-se navegantes.
Quando a escuridão de um homem se enche com uma estrela, sua noite má se transforma em boa noite. A escuridão nos presenteia com a oportunidade do silêncio e nos torna aptos para a busca de um porto seguro. Obriga-nos a ir homem adentro e nos convida a adentrar pelo mar. Há estrelas inalcançáveis, que deram a certos navegantes audaciosos novos continentes. Eram homens capazes de se fazer ao mar, mineiros da noite, com a luz de uma única estrela.
A fecundidade da noite não reside no fato de que ela nos liberta das coisas imediatas, mas no fato de que liberta em nós a capacidade de enxergar além do imediato. Obriga-nos a ver a exigência muito além da utilidade. Faz-nos superar a necessidade e nos faz crescer além do desejo. Por isso, nos torna renunciantes.
Ah! A dor e a pobreza só serão fecundas, se nos conferirem a capacidade de voar
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