A Lagartixa e o Cavalo
– Já sei isso tudo que você vai contar!
– Sabe coisíssima nenhuma, Bud e... às vezes, arrependo-me de tê-lo criado meu interlocutor, no livro “Quatro Bruxas no Elevador” (os puritanos do idioma que me perdoem o eco) desde então, vivo um calvário com você, irreverente... malcriado...
– Não é sobre “ O Olhar da lagartixa” que vai falar?
– Não senhor!! essa... monstrenga foi falecida ainda em Santos, sob os golpes da minha poderosa arma e está no livro “Quatro Bruxas no Elevador”. Esta é outra Lagartixa !
– E o Cavalo... é o “Metódico”, o “Azarado” ou o “Já Famoso”?..!
– Você continua um grande debochado, sabia?
– Sabia. É que, às vezes, sinto-me um porteiro neste seu grande zoológico.
– Acho que você caberia bem mesmo... é no Butantã!
Depois dessa ligeira troca de gentilezas, vou lhe contar, querido leitor, duas histórias com a única finalidade de diverti-lo.
Era uma Lagartixa antipática e muito vingativa, nada caridosa. Nem uma pequena ofensa levava para casa, antes de devolver duas das bem grandes ! e... como falava nome feio! Acho que, por ser mesmo assim, ela vivia atada a um passado de ódios, de rancores... Não amava o presente, não preparava um bom futuro. Pode-se dizer que dependurava-se no “rabo dos tempos”.
Uma tarde, ao voltar para casa, teve que atravessar os trilhos do trem. Ouviu – e muito bem – os ruídos da composição que se avizinhava mas, achando que todos deveriam, por definição, dar-lhe passagem, foi indo...
Uma das rodas podou-lhe o rabo. Indignada, voltou-se para, valentemente, injuriar o condutor... quando... outra roda podou-lhe... a cabeça!
– Nunca perca a cabeça por causa do rabo ! é o moral da história, não é?!
– Nada disso, Bud! Nada de moral; é só para divertir.
Quem estiver com pena e... como ela, só olhar para trás, que leve para casa os restos mortais dela (nada a ver com mortadela).
A segunda história é sobre o Cavalo. Bonito e fogoso, galopava afogueado, na mesma tarde, bem perto da fatídica ocorrência.
Galopa que galopa, chega nos trilhos. Ouve o ruído da composição que se avizinha e vê que o trem é grande demais, para se enfrentar! Pára, espera, só depois passa e... feliz, continua o afogueado galopar.
Coitado e não é que vem a cair num fundo poço e estreito?!
Como fosse um Cavalo afável, muitas pessoas, sabendo do fato ocorrido, dispuseram-se a trabalhar na tentativa de içá-lo. Qual o que! Nada de ele poder sair! Por horas e horas, tudo foi feito no sentido de salvar o fogoso equino. Infelizmente, era necessário... sacrificá-lo!
– Quem atira nele?
– Eu não!
– Nem eu!!
– Muito menos eu!
De comum acordo, cada um resolveu pegar de uma pá e ir jogando terra dentro do poço, para asfixiar o Cavalo. E começaram. Pás e mais pás de terra eram jogadas.
Aí vejam só!, o equino sacudia a terra de cima de si. A terra caia no chão. Ele pisoteava a terra. Sacudia e pisoteava. Socando toda a terra que descia, o poço deveria ir se enchendo... mas, pisoteando, incansavelmente, era o Cavalo que subia!... E chegou à luz, em cima, são e salvo!
– Gostei da história!
– Não é história, Bud! Apenas dois caminhos que seguimos, nas diversas esquinas
da vida. Os países também, porque eles são feitos pelos ânimos de seus cidadãos.
Pelo otimismo com que, graças a Deus, se movimentam os brasileiros, eu diria que, mesmo com muitas “podas” em muitas partes, estamos ...abandonando, de todo, a pele da lagartixa.
Somos Cavalos, milhões deles... a sacudir e sacudir... a pisotear... e pisotear!
E a subir!...