A DESCOBERTA

A DESCOBERTA

Diante do espelho, de repente, viu refletida a imagem sua. Porém era uma imagem que ainda não tinha notado: a pele opaca e desidratada, sulcos na face que nunca tinha visto: rugas em volta dos olhos cansados e sem brilho, cabelos embranquecidos e rarefeitos.

Contemplou o resto do corpo, surpreso com a flacidez da sua musculatura, e, finalmente entendeu que tinha envelhecido. É, realmente, fisicamente quase nada restava daquele corpo atlético, daquela cabeleira preta exuberante, daqueles olhos vivos e brilhantes que na juventude emprestaram-lhes tanta beleza. E, espiritualmente, também havia envelhecido¿

Quedou-se pensativo, fez voltar a fita do filme da sua vida, e fez desfilar diante de sua memória as imagens que o tempo ainda não havia apagado.

Surgiram imagens de uma infância nebulosa, chorona e onde tudo era proibido e a grande maioria era pecado. Imprimiu maior velocidade no passar das imagens dolorosas e enfadonhas e tentou deter aquelas que representavam raros momentos de descontração, lazer e alegria.

Notou, curioso, a rigidez da educação doméstica que havia recebido e ficou contente ao relembrar seu encaminhamento na educação religiosa: o catecismo, a primeira comunhão, o tempo de acótilo quando lembrar missas, os terços, os batizados, os casamentos.

Num piscar de olhos se viu adulto, na luta pelo pão de cada dia.

Veio o casamento, com ele vieram os filhos e uma série de obstáculos a superar. Em todas essas fases da vida, o espírito sempre este altivo, otimista, com entusiasmo e cheio de fé num amanhã melhor, mais tranqüilo. Notou que nos momentos mais difíceis a paz e a serenidade lhes vinham através da oração, do recolhimento interior e do diálogo que mantinha com Deus. Finalmente concluiu que não havia envelhecido espiritualmente; que durante toda sua vida, seu espírito tinha-se fortalecido na prática dos ensinamentos religiosos iniciados na infância e continuados na adolescência e na idade adulta.

Constatou que não havia atingido a perfeição cristã, contudo sentiu-se orgulhoso por ter procurado alcançá-la não obstante suas limitações humanas e espirituais. Exultou de felicidade quando viu que sempre teve Jesus prometeu a quantos ouvissem, seguissem e vivessem as Suas palavras.

Finalmente, teve a certeza de que não havia envelhecido espiritualmente, e sentiu uma grande paz em descobrir que aquela carcaça física envelhecida e carcomida pelo tempo, abrigava um espírito jovem, atual, forte e digno de sua criação divina. SENTIU-SE FELIZ.

Texto de Arli Amilton – grande amigo, tem hoje 72 anos