AMARRADO EM NOME DE OXALÁ
Eu que mediunizava até bicho em espírito, rodei sete encruzilhadas, bebia aos montes e não sabia como tapar os buracos que deixavam entrar tantas vozes, imagens e insights que eram terríveis maldades para quem nada sabia do mundo espiritual, além do que dizia o Padre, rezava a tia e contava Seu Pascoal, meu velho pai, que jurava de pé junto que essa coisa de alma penada era arte do coisa ruim; ruim era ficar percebendo tudo o que eu não queria, daí, apareceu o Pai Zé e salvou o meu dia, disse ele, vem pro centro menino, trabalhar caridade, dê passagem a todos esses guias e você terá sossego na sua vida.
Não sei o que Pai Zé fez, mas foi só pisar no terreiro, que pela primeira vez, depois de cinco janeiros, consegui ter paz no coração. Conheci ali, a minha missão, e com muita alegria e amor no coração, ajudei Pai Zé em seu trabalho caridoso, ajudando a todos que precisavam de luz e cura, e conheci os meus pretos, os meus caboclos, meus guias da direita e da esquerda; e finalmente, compreendi quem era o meu Orixá de cabeça, por isso bati todo o meu orgulho no congá daquele terreiro. Fui batizado, jurei lealdade, encontrei ali de fato, meu lar, o meu trabalho.
É claro, que eu tinha que estragar tudo; ignorância é benção, ser conduzido é melhor que ser abelhudo e tentar fazer tudo por conta; mas senti qualquer coisa que vontade de estudar mais, buscar informação, conhecer mais sobre as entidades que eu recebia e os Orixás.
Nesse estudo, percebi que o mundo espiritual era de um tamanho absurdo, envolvendo as mais diversas linhas, todas elas tão fascinantes quanto a Umbanda, tão interessantes quanto o cadomblé. Não deu outra, começou a dar-me uma vontade de bater o pé, libertar as asas, conhecer outras doutrinas, visitar outras casas e fui falar com o Pai Zé, contar da minha vontade e pedir uma licença dos trabalhos do centro, uma benção, para que eu pudesse dali à tanto, voltar ali pra dentro, com outras bagagens e muito mais vontade e conhecimento para ajudar os meus irmãos.
Pacientemente, Pai Zé me explicou que eu não deveria fazer isso, que precisava ter cuidado, pois em outras casas, morava entidades estranhas, talvez, até o próprio diabo, e ali no centro, eu tinha toda a proteção da casa e no final das contas, eu não precisava ficar fuçando outras doutrinas e religiões.
Compreendi tudo, mas essa besta em mim, talvez esse rebelde sem nome que vira tudo de perna pro ar, não me deixou calado ficar, e insisti que, mesmo sabendo dos perigos, iria sim, estudar um pouco mais. Daí, assustei-me com o que ví...Pai Zé ficou irritado, virtualmente alterado com a minha insistência em aprender sobre os outros caminhos. Transtornado, ele jogou-me na cara, no corpo e na aura, tudo o que tinha feito por mim e ameaçou-me com o medo!
- Saia por aí, e eu não vou te buscar se você cair!
Ah, meus amigos, não sei se foi o santo que baixou ou o sangue que subiu, mas perdi a calma e saí da frente dele, para não fazer uma loucura. Eu tinha direito a liberdade, tinha vontade, ora, de conhecer outros lugares. Como assim: eu iria cair?
Caí!
Foi só sair do centro, que voltei novamente a sentir aquela tonteira, falta de firmeza e tudo aquilo que eu não deveria mais sentir. Chamei meu Orixá, pedi ajuda aos meus pretos, os meus caboclos e nada.
Cai na rua, achei que ia morrer no meio daquele povo que começou a aparecer ou para me acudir ou para me ver cair; levantei, sacodi o aparelho, e cheguei em casa, mas deu um pânico total: dor de cabeça danada, lezeira, voltaram as vozes, voltaram as risadas, e na cama, fiquei por semanas, sem ter vontade de nada e quando parecia que eu teria que voltar ao centro para pedir ajuda, ouvi uma voz interna, no meio de tantas outras; era a presença familiar de alguém que parecia sempre ter estado lá, comigo, em mim, como um mestre espiritual, mas que até aquele momento, nunca tinha aparecido do astral, e ele disse para mim:
- A sua "ori" foi plantada no terreiro do Pai Zé! Você precisa se libertar, pois ninguém fica amarrado em nome de Oxalá! Se liberta agora ou você vai passar para o lado de cá!
- Como eu faço isso? - perguntei desesperado - Não tenho forças para voltar lá. Tenho medo do Pai Zé ainda mais me aprisionar.
- Tanto tempo na espiritualidade e você não aprendeu mesmo nada, não é? Sua ori é a sua consciência e só manda nela quem você deixa. Quem é o dono da sua cabeça?
- Eu? - respondi perguntando, confuso com aquela informação.
- Ainda não! - a voz respondeu - Sua consciência só voltará a ser sua, se você se der conta que o controle que o Pai Zé tem sobre a sua cabeça começa com a sua permissão. Tire a sua "ori" da influência de Pai Zé, desenterre-a e a erga em direção a "Orum", o Pai Celestial. Chegou a sua hora: cresça! Por mais escuro que seja o caminho, por mais difícil que seja a sua jornada, não entregue a sua cabeça, não deixe a sua mediunidade ser manipulada. O seu Orixá são todos os Orixás, e nenhum deles conduz a sua vida ou o seu destino: você é o único responsável por isso!
- Quem é você? - eu quis saber - Por que está me ajudando?
- Sou seu eu-superior, o seu Anjo da Guarda que sempre te guardou. Pare de perguntar por nomes, o Divino não se nomeia, nome é coisa do homem. Não há mestre, senão a si mesmo! Por isso, toma controle, assuma a firmeza e comece a partir de hoje, o seu trabalho de limpeza. O que o Pai Zé e outros tantos terreiros fazem é controle de mediunidade dos seus médiuns; um congá que trabalha sob a linha de Aruanda, paga o preço da verdade, desenvolve para libertar. Portanto, se liberte!
- E os meus guias? Como poderei falar com eles sem o centro? E as pessoas que precisam da minha ajuda?
- Os seus guias sempre estiveram e sempre estarão contigo. Basta abrir os seus olhos, seus ouvidos, e a sua mediunidade te guiará até eles; e será essa mesma mediunidade, quando compreendida de forma plena, que fará você aprender que para poder auxiliar tanta gente, é preciso primeiro você se ajudar e estudar sempre nessa escola terrena.
Frank Oliveira
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