A vida alheia

É curioso observar como a vida alheia nos fascina, seja lá de que forma for. Há dezenas de exemplos. A mais comum é o julgamento das ações do outro. Como sempre partimos do princípio de que a nossa maneira de pensar é a mais correta, a menos que o outro pense muito parecido com a gente, ele está sempre errado ou poderia melhorar. Também, por outro lado, se encontramos algumas virtudes brilhantes no próximo, nem sempre, ou quase nunca, achamos que essas virtudes seriam importantes em nossas vidas. Apenas admiramos e continuamos com as nossas certezas.

Eu acho que faz sentido. Corre pela internet uma mensagem em PPS, do que seria o melhor e-mail de 2007. Na verdade, talvez, a melhor lição de moral para os outros seguirem. Então eles colocam diversos e diversos exemplos extremos de condições de vida. E aí começam as perguntas comparativas. Ao lado de uma foto de um saudável garoto fazendo pouco caso da comida, observam: “Você não gosta de vegetais?”. E então ao lado de uma foto de um garotinho africano esquálido e à beira da morte por desnutrição, arrematam: “Eles não têm o que comer!”. Aí mandam outra: “Você está triste porque queria um tênis da Nike e te deram um da Adidas?”. E ao lado de uma garrafa pet cortada ao meio em que improvisam um chinelo-de-dedo capricham: “Eles não têm opção!”.

Enfim, acho que muita gente conhece esse e-mail, a questão é sempre comparar extremos, como se extremos fossem comparáveis. Escrevem para os brasileiros com fotos de americanos, comparando as maravilhas do conforto ocidental às absurdas situações de miséria e descaso com o ser humano nos cafundós da China e nos piores países da África. Aí eu concluo que a intensão da mensagem se perde. Nem nos encaixamos nas maravilhas americanas ou européias, e nem vivemos nada parecido com as situações de miséria da China ou da África. Toda vez que se faz comparações em que a gente não se encaixa, nem nos situamos e nem nos comovemos, ou seja, apenas concordamos que os outros deveriam mesmo ver daquela forma e fim. Perderam tempo.

Como decidi fazer uma edição só para o sábado e o domingo, para poder tirar um dia de folga para descansar, acabei fazendo uma coisa que só me lembro de ter feito na juventude. Passei o domingo inteiro vendo o programa do Silvio Santos e suas colegas de trabalho, e aquela farra de voar dinheiro, com perguntas e respostas e gincanas, etc, e depois emendei no Faustão e no Fantástico, costurei um BBB em noite de indicação para o paredão e ainda arrematei com o filme do Domingo Maior. Nunca fiquei tanto tempo, quase 14 horas, feito um imbecil, olhando a vida alheia na televisão. É uma coisa fascinante.

Daí eu poderia sentar aqui e escrever que aquelas meninas do auditório são uma ignorantes, que as pegadinhas da câmera escondida são uma baixaria, que o Faustão ultradimensiona probleminhas pra dar lição de moral, como fez com a entrevista da “mocinha” que foi eliminada no BBB, ou faz de concorrentes medíocres artistas qualificados, etc. Daí eu esculacho com o BBB e suas evidentes baixarias, sempre com um Pedro Bial cada vez mais velho se passando por cada vez mais moço, como se eu não tivesse feito parte de tudo aquilo o domingo inteirinho. In-tei-ri-nho! E sabem o que mais? Me diverti à beça!

Passa a sensação de que a vida do próximo nos interessa para medirmos se estamos dentro da média, ou seja: se os participantes do Silvio Santos erraram perguntas tão fáceis, e eu também errei, eu estou na média. Se acertar mais, me acho um gênio, e se estou abaixo, finjo que não notei. Vejo aqueles artistas de antigamente, como Simony, Gretchen, Silvio Brito, e mais uns lá que nem sei quem são, mendigando uma aparição para ver se são lembrados, para ganhar no final um premiozinho de R$ 1.000, mas na hora não me dou conta que eu sou músico e se estivesse na mesma situação faria a mesma coisa.

Depois tem um quadro como era lá a “Porta da Esperança” (que coisa brega), onde são lidas as cartas com aquela voz embargada de drama, e a gente se comove com a miséria do outro, fora o choro de emoção das premiadas quando conseguem o que pediram. Todavia, sem me lembrar que tiraram 3 casos em 1.000 para fazer o show, e que os 997 restantes vão ficar só na esperança mesmo. Mas na hora me deu uma comichão, e pensei se eu não poderia pedir alguma coisa, quem sabe eu acertaria, sei lá... Ah, sim, e devo concordar que o Silvio Santos fascina e arrebata mesmo, com 80 anos de idade.

Mas o que eu notei durante a vida é que a pessoa pode até se esforçar em preservar a sua privacidade, mas não pode reclamar quando alguém vai xeretar se tiver oportunidade, porque qualquer um faria o mesmo. Todo mundo quer saber quanto o outro ganha, pra onde vai, quem está namorando, quem trai quem, e sempre foi assim. E depois, se tiver com quem e não for inconveniente, fofocamos mesmo. A vida do outro fascina a gente.

E vice-versa.

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