Prepotência atlética

O que há de bom ou importante em ser apenas o segundo ou terceiro melhor do mundo? Nada. Para a maioria deles, alguns ídolos meus incluídos, ser o segundo é ser o primeiro dos derrotados. Só a vitória vale. Tudo o mais se esquece. Ninguém vai lembrar. O Brasil foi cinco vezes campeão do mundo de futebol, oito vezes campeão do mundo de Fórmula 1, fora vôlei, iatismo e judô, etc, mas ninguém sabe contra quem ele jogou a final, quem ficou com o segundo lugar, que dirá com o terceiro. Já, quando perdemos, sabemos bem quem foi que nos tirou a vitória. Para o atleta que ganha a medalha de prata ou a de bronze, só de subir ao pódio e ser laureado é a grande vitória. Afinal, imaginem, quantas vitórias são necessárias para se conseguir disputar uma Olimpíada? E chegar lá no fim com só um ou dois na sua frente não é uma vitória memorável, só inferior à medalha do ouro? É a destrutiva ambição atlética. Pura prepotência.

É claro que o melhor dos melhores, o grande campeão, sempre ficará marcado, o topo do pódio é dele, sempre a maior autoridade lhe entrega o troféu, tem todas essas besteiras. Mas vejamos e analisemos com seriedade. Não seria isso um péssimo exemplo para as crianças? Quer dizer que se há um campeonato na escola, ela consegue o segundo ou terceiro lugar, e todos lhe viram as costas para puxar o saco do campeão, que estímulo ela terá para treinar mais e tentar conseguir ser a primeira colocada na próxima vez?

Na verdade, numa situação assim, depois de laurear o primeiro colocado, as atenções deveriam ser dadas todas aos que chegaram depois, para que tivéssemos mais primeiros colocados alternativamente. Não é por isso que o Rubinho Barrichello nunca foi campeão. Nunca lhe faltou torcida. É que ele é ruim mesmo. Mas, por outro lado, tem uma habilidade de negociar que até hoje, caindo de maduro, ainda encontra equipe que o contrate.

O ser humano é cruel e vil até nas coisas mais simples. Se olharmos a lógica do que estou escrevendo, nem merecia laurear os segundos e terceiros colocados. Normalmente quem diz “essa medalha de bronze pra mim é de ouro” é sempre a mãe do atleta. E a namorada também, só que mentindo. O mundo tem sete bilhões de habitantes, e milhões de atletas, entre amadores e profissionais. Imaginem uma maratona, onde competem, às vezes, milhares de pessoas, mas centenas de profissionais. Estar entre os dez melhores não quer dizer nada?

Só o que chega na frente é gente, com o perdão da rima? Mesmo em esportes atléticos, como os 100 metros rasos, será mesmo que uma pessoa pode ser “melhor” que a outra por que é 1 milésimo de segundo mais rápida? Eu, bem como Millôr Fernandes, nos recusamos a pensar assim. Não por não ser esportivo. É que é ridículo mesmo. O mesmo se dá com a natação onde, por centésimos de segundo, todo o trabalho do segundo colocado é desprezado e ignorado depois de tanta luta e treinamento para se conseguir chegar numa competição de ponta. É cruel, é desumano, é uma falta de respeito.

A competição, em si, não é de toda ruim. Quando se compete para ser melhor que alguém, exige-se preparo e para isso há que haver trabalho, treinamento, disciplina, boa vontade, desejo de ganhar. Tudo isso, com moderação, é saudável. Mesmo em concursos públicos, onde se busca um bom trabalho com estabilidade, ou um vestibular, onde se busca uma vaga nas melhores universidades, quem sabe nas famosas internacionais. Mas aí, mesmo tendo um que teve a melhor nota, o “prêmio” é igual para todos. Se havia vinte vagas, os vinte melhores ganham, e o primeiro não vai ter salário maior que o vigésimo, bem como os que se formarem com as melhores notas não serão mais doutores que os outros.

Bom seria que os pais tivessem consciência disso e desde cedo mostrassem para seus filhos o valor que tem os segundos e terceiros lugares, para que esses, quando vissem um atleta frustrado jogar sua medalha de bronze no chão, por pura inveja ou desconsolo, ou quando seu time perde uma final, ou qualquer situação como essas, consigam ver que pior que ser segundo ou terceiro, é ser quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo... Num universo tão grande de atletas, você está entre os dez melhores e ainda se acha um derrotado? Há pais que fazem mesmo o contrário. Ao invés de incentivar um treinamento mais disciplinado e concentrado, ficam dizendo que “tem que ser campeão”, “tem que ser campeão”, “tem que ser campeão”. Isso não pode fazer bem para a saúde mental de qualquer filho. Faz sim, caso ele não consiga, por limitação do corpo ou o que seja, se tornar um adulto frustrado, sempre certo que nunca será um vencedor na vida. Um “amado” infeliz.

Não há nada mais ridículo do que pais que projetam nos filhos suas próprias incompetências e frustrações. Dá nojo de ver.

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