MEMÓRIAS "A CARTA"
Nêstes tempos modernos em que a comunicação entre os homens ocorre de uma forma tão dinâmica e imediata,fico a relembrar das cartas de "Nhá Tuca".
Lentamente,apoiada em sua bengala,ela ia se chegando.Trazia nas mãos um rolinho de papel almaço,envelope e cola (feita a partir de uma receita caseira à base de farinha de trigo e água fervente) e a cabeça repleta de novidades para contar.
À sua espera,feita uma exímia secretária,postava-se dona Hilda,minha mãe.Tinteiro e pena preparados para os extensos relatórios que incluiam dêsde a tosse persistente de
Zeferino,seu filho mais velho,até as ninhadas de pintinhos que surgiam debaixo da figueira no fundo do quintal.
A beleza da letra (quase um desenho)compensava, e até perdoava ,alguns deslizes e atentados à lingua portuguesa que iam surgindo no decorrer do texto.
E assim,entre um biscoitinho e outro,o relato enriquecia-se em pormenores fazendo aumentar o calhamaço de folhas.Num determinado momento procedia-se uma leitura prévia,ao que,por determinação d a remetente, acrescentava-se mais uma infinidade de adendos e pequenos detalhes.
Mais uma leitura e...Lá vinha a sessão de "lembranças e abraços".
A começar pelo destinatário da carta e sua digníssima espôsa, iam-se estendendo nominalmente à cada um dos netos,bisnetos,velhos conhecidos e afins...
À esta altura,a escrevente já com dedos doloridos,sugeria um resumo a tantos nomes com um simples e conciso:"Abraços e lembranças à todos daí". A proposta,é claro, gerava sempre um desconforto.A velhinha,emburrada,não queria abrir mão da lista;a outra,doida pra terminar defendia a sua tese.Depois de muita negociação,prevalecendo os laços de amizade e respeito que as unia, acabavam sempre entrando em acordo.
Finalizado o extenso documentário,papel devidamente dobrado e prestes a ser envelopado,dona Hilda respirando aliviada diante da missão cumprida,um novo adendo lhe era ordenado em tom autoritário:
_Abra o papel!...Estava me esquecendo do principal: O verso!...Então as profundezas da alma afloravam-se pela boca que ditava,enquanto a pena deslizava nas linhas:
Nêstes tempos modernos em que a comunicação entre os homens ocorre de uma forma tão dinâmica e imediata,fico a relembrar das cartas de "Nhá Tuca".
Lentamente,apoiada em sua bengala,ela ia se chegando.Trazia nas mãos um rolinho de papel almaço,envelope e cola (feita a partir de uma receita caseira à base de farinha de trigo e água fervente) e a cabeça repleta de novidades para contar.
À sua espera,feita uma exímia secretária,postava-se dona Hilda,minha mãe.Tinteiro e pena preparados para os extensos relatórios que incluiam dêsde a tosse persistente de
Zeferino,seu filho mais velho,até as ninhadas de pintinhos que surgiam debaixo da figueira no fundo do quintal.
A beleza da letra (quase um desenho)compensava, e até perdoava ,alguns deslizes e atentados à lingua portuguesa que iam surgindo no decorrer do texto.
E assim,entre um biscoitinho e outro,o relato enriquecia-se em pormenores fazendo aumentar o calhamaço de folhas.Num determinado momento procedia-se uma leitura prévia,ao que,por determinação d a remetente, acrescentava-se mais uma infinidade de adendos e pequenos detalhes.
Mais uma leitura e...Lá vinha a sessão de "lembranças e abraços".
A começar pelo destinatário da carta e sua digníssima espôsa, iam-se estendendo nominalmente à cada um dos netos,bisnetos,velhos conhecidos e afins...
À esta altura,a escrevente já com dedos doloridos,sugeria um resumo a tantos nomes com um simples e conciso:"Abraços e lembranças à todos daí". A proposta,é claro, gerava sempre um desconforto.A velhinha,emburrada,não queria abrir mão da lista;a outra,doida pra terminar defendia a sua tese.Depois de muita negociação,prevalecendo os laços de amizade e respeito que as unia, acabavam sempre entrando em acordo.
Finalizado o extenso documentário,papel devidamente dobrado e prestes a ser envelopado,dona Hilda respirando aliviada diante da missão cumprida,um novo adendo lhe era ordenado em tom autoritário:
_Abra o papel!...Estava me esquecendo do principal: O verso!...Então as profundezas da alma afloravam-se pela boca que ditava,enquanto a pena deslizava nas linhas:
"Vai-te carta venturosa
Por êste mundo de meu Deus
Antes carta tu ficastes
Em teu lugar fosse eu!"
Por êste mundo de meu Deus
Antes carta tu ficastes
Em teu lugar fosse eu!"
Uma ligeira pausa,um breve silêncio,e a velha senhora apanhando um lençinho do bolso,enxugava a lágrima que deixava escapar pela face.
Alguns meses depois,aos nossos cuidados,chegava de Curitiba a tão esperada resposta.
PS.Isto ocorria nos idos de 1953 à 1959,e aquelas tardes de teimosias,biscoitos,lágrimas e versos,permanecem nítidas em minhas lembranças.
Alguns meses depois,aos nossos cuidados,chegava de Curitiba a tão esperada resposta.
PS.Isto ocorria nos idos de 1953 à 1959,e aquelas tardes de teimosias,biscoitos,lágrimas e versos,permanecem nítidas em minhas lembranças.