Minha namorada
Minha namorada tem os braços grandes, me traz ao colo até a curva da estrada, quando enfim me joga ao pó. Sua estranha beleza me paralisa e espanta. Ela me consola das aflições, do trabalho cansativo e das desgraças do mundo.
Minha espirituosa namorada tem um modus operandi que poucos compreendem intimamente. Quando jovem, eu não a vi em nenhum momento. Depois de velho, ela me escancara seus talentos especiais na cama, na rede ou até no meio da rua, que minha namorada é de fato uma mulher audaciosa. Usa seu dom para ajudar pessoas cambaleantes. Muitos a procuram e a todos ela dá guarida, que é um tanto quanto promíscua essa mulher.
Compartilho com ela meus piores momentos de dor e pavoroso medo do que há de vir. É tocante sua paciência, esperando-me até quando reencontro esperanças e razão para dela me afastar.
No meu quinquagésimo quinto aniversário de nascimento, levantarei um brinde à minha eterna namorada, que possui a rara habilidade de interligar meus mundos. Ela me dá imenso conforto e ao mesmo tempo ilumina um caminho cheio de dor e angústia. Sofrimento que fico remoendo do outro lado do muro, enquanto ouço minha namorada cantar uma estranha modinha com inspiradoras mensagens para coveiros.
Minha namorada tem muitos nomes. Nas terras secas onde ela costuma bater o pó das estradas, olhando a natureza morta, chamam-na de Caetana. Ela tem o corpo dos sonhos, o tesão dos desejos mais escondidos e os Sete Padecimentos da Virgem Maria. “A morte Caetana é feminina, bela, jovem e ao mesmo tempo cruel e fascinante. A Caetana (animal) tem a pele lavrada, um pelo curto e sedoso. É macho e fêmea. É parto e gozo.” (Ariano Suassuna)