Ao ouvir o CD “Volta pra curtir”, de Luiz Gonzaga, gravado ao vivo no Teatro Tereza Rachel, em março de 1972, ano de dura repressão militar, inspirei-me a fazer esta crônica. É que, a certa altura do show, ele começa a discorrer sob a hipótese de “se ele nascesse de novo”, como gostaria que fosse. Partindo, também, dessa premissa, se eu nascesse de novo, assim como o Rei do Baião, não mudaria a minha origem: seria santa-mariense, filho de Sebastião de Novais Neves, Tião Sapateiro, e de dona Jandira Almeida Neves, e gostaria de ter os mesmos irmãos, alguns bem traquinas, diga-se de passagem.
Uma coisa, entretanto, eu mudaria: meu nome. Ao invés de chamar-me Adnil Novais Neto, preferiria que fosse igual ao do meu avô paterno, Adnyl (com ípsilon) de Novais Neves, a adir apenas o título “Neto” e não subtrair o “Neves”. Como curiosidade, no título eleitoral do meu avô, está lá, datilografado. Profissão: artista. Ele era, de fato, sapateiro, profissão considerada arte.
Ainda sobre o nome do meu progenitor, Adnyl, existem, além de mim (Adnil); outro neto chamado Adinil e um sobrinho, Adenil. Ante tanta grafia diferente, se nos ativermos restritamente a ela, em verdade, nenhuma homenagem foi feita.
Lembro-me de que, certa vez, questionando meu pai sobre o porquê de ele haver registrado meu nome de forma errada, passei a pedir-lhe uma justificativa convincente. Em determinado momento, ele olhou-me fixamente e relembrou de forma irônica:
– Você ainda “pegou foi o boi”! Eu ia botar mesmo era Adnil Novais Júúúnior.
– Júnior?! Por que Júnior, se eu sou neto do pai do senhor e não filho?
– Num sei. Talvez pra ver se você para de me encher o saco.
Da mesma forma que aconteceu comigo, registrou também meus outros irmãos: Hermes, que é uma homenagem ao meu avô materno, deveria chamar-se Hermes Almeida Neto, mas consta da certidão de nascimento, Hermes Novais Neto. Glécia de Almeida Neves, que aparentemente obedece à lógica, ele acrescentou o “de” e o cartório grafou Glécia no lugar de Glícia.
Por fim, Nena, que foi registrada Janilza Almeida Neves. Tudo certinho não fosse a mania de inventarem nomes. Janilza tornou-se uma sigla, já que vem de frações de nomes: “Jan” vem de Jandira (mãe) e “nilza”... Só Deus sabe!
“Voltando à vaca fria”, se eu nascesse de novo, gostaria de ouvir os mesmos palavreados do meu gueto: jogar bola de gude calira, fazer arapuca retrinca, pelotar. Isto mesmo, não é pilotar, sinônimo de dirigir, porém, pelotar – atirar pelota de barro com estilingue ou bodoque. Gostaria, ainda, de ouvir o meu pai esgoelar:
– Jandira, cadê os meninos?
– Novais t’aqui. Mas Hermes já soverteu no mundo.
– Novais.
– Sinhô.
– Vamo pra Sambaíba, mas bota uma calça comprida por causa do “aruvai”.
“Aruvai”, você sabe o que é? Eu explico: é uma corruptela de orvalho. Ainda menino, eu já sabia que se tratava das gotículas de água impregnadas nas folhas dos matos, de manhãzinha. Só não sabia que o nome correto era outro, bem mais fácil: orvalho.
Gostaria, ainda, de ouvir alguém me perguntar: “Qual a sua graça?”; “onde eu posso verter água?”; “as alvíssaras tu me pagas?”. Aliás, não se falava “as alvíssaras”, que quer dizer boas novas, mas “as a vista”, frase usada quando alguém queria dar uma boa notícia a um amigo.
Se eu nascesse de novo, que bom seria escutar outra vez: “menino fuxiquento”; “home treiteiro”; “vou te dar umas corriadas”; “deixa de trapulinagem”; “você tá merecendo é umas chilepadas, moleque severgonho”; “para de curiar a vida alheia”; “quieta com essa mugangueira”; “home quá”, “fulano está campado”, “ele tá doído pra escuvitiar”; “menino gosta é de jogar cabriola”; “fulana parece uma lequera”; “menino maleitoso”; “mulher mal-amanhada”; “deixa de latomia, menino lutrido”; “assunta o lutrimento dele!”; “rodeira de caminhão”; “deixa de bestagem”; “para com essa bestajada”; “eta menino cheio de patacoada”; “xibungo”; “traste ruim”, “carga d’água”; “diabo a quatro”; “mal-e-mal”; “mugangueira”, etc., etc., etc.
Pois bem, além destas frases ou termos, há um verbo – o verbo cuspir – que passou a ter outra grafia, “escupir”, isto mesmo, sem o “L”. Não confundir com “esculpir”, de fazer escultura. E, assim, um conhecido adágio popular tomou esta risível forma: “Quem escope pra riba, o escupe cai na cara”.
Ah, se eu nascesse de novo, gostaria – sinceramente – de ser simplesmente o que tenho sido e o que sou: uma pessoa de hábitos simples, santa-mariense, colecionador de amigos e fazedor de versos e prosas.
Uma coisa, entretanto, eu mudaria: meu nome. Ao invés de chamar-me Adnil Novais Neto, preferiria que fosse igual ao do meu avô paterno, Adnyl (com ípsilon) de Novais Neves, a adir apenas o título “Neto” e não subtrair o “Neves”. Como curiosidade, no título eleitoral do meu avô, está lá, datilografado. Profissão: artista. Ele era, de fato, sapateiro, profissão considerada arte.
Ainda sobre o nome do meu progenitor, Adnyl, existem, além de mim (Adnil); outro neto chamado Adinil e um sobrinho, Adenil. Ante tanta grafia diferente, se nos ativermos restritamente a ela, em verdade, nenhuma homenagem foi feita.
Lembro-me de que, certa vez, questionando meu pai sobre o porquê de ele haver registrado meu nome de forma errada, passei a pedir-lhe uma justificativa convincente. Em determinado momento, ele olhou-me fixamente e relembrou de forma irônica:
– Você ainda “pegou foi o boi”! Eu ia botar mesmo era Adnil Novais Júúúnior.
– Júnior?! Por que Júnior, se eu sou neto do pai do senhor e não filho?
– Num sei. Talvez pra ver se você para de me encher o saco.
Da mesma forma que aconteceu comigo, registrou também meus outros irmãos: Hermes, que é uma homenagem ao meu avô materno, deveria chamar-se Hermes Almeida Neto, mas consta da certidão de nascimento, Hermes Novais Neto. Glécia de Almeida Neves, que aparentemente obedece à lógica, ele acrescentou o “de” e o cartório grafou Glécia no lugar de Glícia.
Por fim, Nena, que foi registrada Janilza Almeida Neves. Tudo certinho não fosse a mania de inventarem nomes. Janilza tornou-se uma sigla, já que vem de frações de nomes: “Jan” vem de Jandira (mãe) e “nilza”... Só Deus sabe!
“Voltando à vaca fria”, se eu nascesse de novo, gostaria de ouvir os mesmos palavreados do meu gueto: jogar bola de gude calira, fazer arapuca retrinca, pelotar. Isto mesmo, não é pilotar, sinônimo de dirigir, porém, pelotar – atirar pelota de barro com estilingue ou bodoque. Gostaria, ainda, de ouvir o meu pai esgoelar:
– Jandira, cadê os meninos?
– Novais t’aqui. Mas Hermes já soverteu no mundo.
– Novais.
– Sinhô.
– Vamo pra Sambaíba, mas bota uma calça comprida por causa do “aruvai”.
“Aruvai”, você sabe o que é? Eu explico: é uma corruptela de orvalho. Ainda menino, eu já sabia que se tratava das gotículas de água impregnadas nas folhas dos matos, de manhãzinha. Só não sabia que o nome correto era outro, bem mais fácil: orvalho.
Gostaria, ainda, de ouvir alguém me perguntar: “Qual a sua graça?”; “onde eu posso verter água?”; “as alvíssaras tu me pagas?”. Aliás, não se falava “as alvíssaras”, que quer dizer boas novas, mas “as a vista”, frase usada quando alguém queria dar uma boa notícia a um amigo.
Se eu nascesse de novo, que bom seria escutar outra vez: “menino fuxiquento”; “home treiteiro”; “vou te dar umas corriadas”; “deixa de trapulinagem”; “você tá merecendo é umas chilepadas, moleque severgonho”; “para de curiar a vida alheia”; “quieta com essa mugangueira”; “home quá”, “fulano está campado”, “ele tá doído pra escuvitiar”; “menino gosta é de jogar cabriola”; “fulana parece uma lequera”; “menino maleitoso”; “mulher mal-amanhada”; “deixa de latomia, menino lutrido”; “assunta o lutrimento dele!”; “rodeira de caminhão”; “deixa de bestagem”; “para com essa bestajada”; “eta menino cheio de patacoada”; “xibungo”; “traste ruim”, “carga d’água”; “diabo a quatro”; “mal-e-mal”; “mugangueira”, etc., etc., etc.
Pois bem, além destas frases ou termos, há um verbo – o verbo cuspir – que passou a ter outra grafia, “escupir”, isto mesmo, sem o “L”. Não confundir com “esculpir”, de fazer escultura. E, assim, um conhecido adágio popular tomou esta risível forma: “Quem escope pra riba, o escupe cai na cara”.
Ah, se eu nascesse de novo, gostaria – sinceramente – de ser simplesmente o que tenho sido e o que sou: uma pessoa de hábitos simples, santa-mariense, colecionador de amigos e fazedor de versos e prosas.