"Fidelidade Absoluta" =Crônica sobre traição= Re-edição
- Você confia em mim, não confia?
- Plenamente.
- Sabe que eu nunca lhe mentiria. Que apesar de te amar muito, sou incapaz de uma calúnia; não sabe?
- Sei perfeitamente. Diga-me o que está havendo?
- Ouvi sua mulher marcando encontro com outro homem. Agorinha mesmo.
- E como conseguiu ouvir no meio dessa barulheira toda da festa?
- Eu estava atrás daquela cortina ali, ajeitando minha calcinha, e eles não me viram. Ela teve que falar alto com ele e eu ouvi tudo. Estavam colados comigo sem me ver.
- E para quando é esse encontro?
- Ela vai deixar o Bruninho na escola amanhã e de lá se encontra com ele.
- Então será pela manhã...Você consegue me mostrar daqui o sujeito?
- Está vendo aquele altão, de cabelos encaracolados, lá no fundo? É ele.
- Conheço a peça. É o Pastinha. Jovem daquele jeito e tem mania de doença. Como é que se chama mesmo essa mania?
- Esqueci totalmente. Estou com a palavra na ponta da língua e não sai.
- Então abra a boca e eu lerei...
- Lembrei. Hipocondria. Não é isso?
- É isso mesmo. O Pastinha é hipocondríaco. Vai ver é por isso que está se entendendo com a vagabunda. Ela também tem pavor de doença e obsessão por limpeza. Você acabou de trocar de carro, não foi?
- Troquei anteontem. Porque?
- Minha mulher ainda não o viu...Você me ajuda a dar um flagra nos dois?
- Sem dúvida. Quando?
- Amanhã de manhã. Eu saio de casa com o meu carro, guardo-o no posto de gasolina, você me encontra lá, e vamos pra escola do Bruno. De lá a gente segue os dois ou a ela.
- Combinado. E depois do flagra? Você dá um pé na bunda dela e a gente se casa?
- Não tão depressa. Primeiro a vingança. Depois uma vida nova. Vamos com calma. Comece a me ajudar sem interesses imediatos, aproveitadora safada.
- Impossível. Você é meu sonho de consumo.
- E eu nunca te...
- Nunquinha. Isso é que me deixa fula da vida. Enquanto isso a sonsa da tua mulher te botando chifres. Logo em um marido tão fiel...Sacanagem da grossa.
- Vamos...?
- De jeito nenhum. Se eu agüentei até agora, agüentarei até que esteja livre de verdade. Nem vem que não tem.
No dia seguinte os dois acompanharam a esposa infiel discretamente. Quinze minutos depois de deixar o filho na escola ela embarcou no carro de Pastinha e foram a um motel. O marido e a amiga estacionaram nas proximidades, câmeras prontas, e filmaram a entrada e a saída dos amantes.
- Você vai dar um cacete neles?
- De jeito nenhum. Eles até prefeririam. Minha vingança será maligna. Inesquecível. Os dois estão em minhas mãos a partir desse momento. Meu plano já está bolado e você faz parte dele.
- E...?
- Então você peça a seu irmão que ligue para minha casa, diga à minha mulher pra me avisar que estamos todos jurados de morte e que os primeiros a serem liquidados serão os dois, ela e o menino. Que eu ficarei por último. Você disse que seu irmão é talentoso como ator principiante, não disse? Ele tem que ser bem convincente e telefonar mais de uma vez se for preciso. Leve esses cinqüentinha pra incentivá-lo.
- Não é preciso, meu querido. Ele é nosso fã. Seu e meu.
- Leva, mulher. Uma grana sempre anima.
- E depois das ameaças? Sua casa tem bina?
- Não. Já providenciei o estrago no aparelho. Depois das ameaças eu vou sair apavorado e esconder os dois no sítio dos pais dela.
- E o Pastinha? Que apelido é esse?
- Ele anda sempre com uma pastinha cheia de remédios. Um montão de comprimidos que toma o dia todo. Acho que a gente nem sabe mais o nome dele. É só o Pastinha pra nós. O Pastinha vai sofrer muito por algum tempo. Deixa comigo...
Os telefonemas ameaçadores começaram alguns dias depois e a esposa infiel ficou apavorada. O marido traído não teve a menor dificuldade em convencê-la a esconder-se no sítio dos pais, com o filho, sem celular ou qualquer outra forma de comunicação. Ele a visitaria logo que possível, prometera ao deixá-la aos cuidados dos velhos sogros.
- E você, meu querido? Não tem medo de ficar aqui em casa?
- Medo a gente sempre tem, querida. Mas não posso fugir feito um cachorro medroso. Tenho que ficar e enfrentar as conseqüências. A turma que quer me pegar é gente da pesada. Eu os prejudiquei numa roubalheira que queriam fazer e estão furiosos comigo. Mas deixe que sei me defender. Se você ficar aqui quietinha, protegendo nosso filho, já estará fazendo muito. Não tente, de maneira alguma, comunicar-se comigo ou com quem quer que seja. Faça de contas que morreu para o mundo.
Alguns dias depois o Pastinha puxou assunto com ele. Perguntou pela família, mandou lembranças e logo depois parecia transparente de tão assustado:
- Meu amigo Pastinha, você nem pode imaginar o que estou passando, meu caro. Estou simplesmente aterrorizado. Acredita que minha mulher pegou uma doença terrível? Um vírus desgraçado, meu amigo, devastador mesmo, e os médicos estão achando que é uma coisa sexualmente transmissível. Impossível isso. Minha mulher é honestíssima e eu estou perfeitamente saudável. Já fiz todos os exames possíveis e imagináveis e não deu nada. Mas eles dizem que é assim mesmo. A coisa explode de repente. Ontem eu fui vê-la e tive vontade de morrer. A coitada está parecendo uma macaca sofrida. Toda deformada no rosto e uivando de tanta dor no corpo todo. Cheguei até a pensar em eutanásia, te juro. Uma mulher tão bonita, tão saudável e atraente, transformada de repente em um caco de gente...Dá vontade de morrer de tristeza.
Pastinha sentou-se na primeira cadeira que encontrou e não fez a mínima questão de mostrar que estava aterrorizado. Dos olhos do marido traído as lágrimas agora deslizavam em abundância.
Acalmado de repente, levantou-se, colocou as mãos nos ombros de Pastinha e despediu-se:
- Meu querido amigo, pude perceber pelo seu semblante a sua solidariedade para com a minha dor. Agora dê-me licença que tenho que cumprir o meu calvário. Vou visitar minha pobre doentinha terminal.
- Terminal? ? Onde ela está internada? Posso saber?
- Não, meu amigo. Ela me fez jurar que não contaria a ninguém onde está internada. E eu vou cumprir o juramento. Nenhuma mulher gostaria de ser vista do jeito que ela está, coitadinha. E os gritos são as coisas mais horripilantes que já ouvi em toda minha vida...
- Ôi, amor, como está indo? Gostando de passar uns tempos no sítio dos velhos? Está mais bonita, mais corada. Linda mesmo. O Bruno também está adorando. Dá pra ver pela carinha dele. Por falar em saúde, sabe quem está nas últimas? O Pastinha, coitado.
- Não brinca!!
- Brincar? O caso é seriíssimo. Acabaram descobrindo que ele pegou uma doença pavorosa com um travesti. Uma coisa terrível mesmo. Está todo deformado, parecendo um macaco velho. Fui vê-lo no hospital e não acreditei que fosse aquele mesmo cara boa pinta, grandão, forte, saudável como um touro. Está um caco velho, coitado. E os gritos de dor são as coisas mais horripilantes que já ouvi em toda minha vida.
Ao ver a esposa empalidecer ele teve vontade de rir, mas a muito custo conseguiu ficar com os olhos marejados de lágrimas.
-Triste demais, meu amor. Coisa de cortar o coração. Coitadas das mulheres com quem ele tenha transado nos últimos meses...Vão morrer de uma forma horrível. Os médicos estão achando que é uma daquelas doenças lá da África. Uma que deforma a pessoa toda antes de matar de vez.
A essa altura as lágrimas desciam em abundância, silenciosamente, e ele escondeu o rosto entre os braços fechados.
Pastinha suicidou-se abrindo o gás e fechando todas as frestas da casa. A esposa infiel, que não sabia nadar, pulou no rio, e foi encontrada, quilômetros adiante, em adiantado estado de putrefação.
- Você será sempre absolutamente fiel a mim; não é, minha querida?
- E eu sou doida de pular a cerca? Gosto da vida, amor.