A menina
        da quadrilha

 
     1. Ouvindo um CD do Gonzaga, escrevo minha crônica são-joanina. 
     2. Levanto os olhos, e, da janela do meu gabinete, vejo um balão infrator voando lentamente no céu que inda me resta. 
     3. No céu que ainda me resta, repito. Sim, amigos, os espigões estão engolindo o meu bairro, a Pituba; diminuindo seu céu, quase sempre límpido e azulado.
     4. Escrevo, ouvindo: "Olha pro céu, meu amor...", do Gonzaga; e alimentando a esperança de que compositores modernos cantem, com novas e boas músicas, as noites de São João, como o fazia o saudoso sanfoneiro do Exu. 
     5. No momento, tudo ou quase tudo o que se compõe na festa do Precursor, a inspiração ainda vem dos baiões, xotes, marchinhas e quadrilhas do velho Lua.
     6. Dei à minha crônica um título, diria, perigoso: A menina da quadrilha.      Quase desistia de anunciá-la com este nome, lembrado de que a palavra "quadrilha" tem hoje um sentido pejorativo, criminoso;  
     Fulana está sendo processada pelo crime de  "formação de quadrilha". Pelo título, o leitor poderá dizer: "Mais uma menina participando de uma quadrilha criminosa."  
     7. Correndo, porém, os olhos por sobre o que aqui escrevo, já no primeiro parágrafo, verá que minha crônica não é uma página de polícia. É simplesmente uma crônica joanina.
     8. Por que A menina da quadrilha?
     Para escrever esta crônica fui buscar nas minhas mais distantes e doces lembranças, a figura de uma bela "quadrilheira", que conheci, nos meus primeiros dias de Bahia.
     9. Quando cheguei em Salvador, idos de 1957, uma emissora local tinha uma bela e enorme quadrilha que participava de um programa chamado Ao pé da fogueira.
     10. Moiçolas, com requebros dengosos, fascinavam a platéia da qual passei a fazer parte, com  entusiasmo e  indiscutível espírito nordestino. 
     11. Árdego jovem, no vigor dos meus 24 anos, eis que, de repente, e não mais do que de repente, apaixonei-me por uma quadrilheira (naquele tempo, usava-se esse termo), uns cinco ou seis anos mais nova do que eu. 
     Entre um volteio e outro, trocávamos furtivos e inocentes flertes. Oh! os flertes!  
     12.  Na noite do encerramento, 24 de junho de 1957, nos encontramos em meio à multidão, que vibrava sem parar. Beijei-lhe as mãos, com a vontade imensa de beijar-lhe, também, os pés.
     13. Mas ela desapareceu no redemoinho dos aplausos. Em outros são-joãos, procurei-a nas quadrilhas às quais eu tinha acesso fácil, na condição de jornalista. E nada. Nem notícias.
    14. Pois é. Quando chega a festa do santo Precursor, sempre me lembro da inocente quadrilheira do meu são-joão de 1957!  Agora, vejam como são as coisas: nem o seu nome eu consegui saber!  
      15. Época boa aquela em que quadrilheira era uma bela menina que, no são-joão, dançava, com muita graça e muito charme, uma quadrilha do Gonzaga. Nada mais do que isso.




         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 13/06/2010
Reeditado em 28/11/2019
Código do texto: T2317179
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