Vida e morte
Conversava com um amigo, e o assunto passou a rodar em torno da liberdade ou não, que podemos, ou devemos ter, quando o assunto é o direito a liberdade de decidirmos sobre manter ou encerrar nossas vidas.
 
É um assunto extremamente complicado. É complexo, frente às inúmeras influências que sofre, sejam elas, religiosas, humanas, ou éticas. Este assunto, deve assim, ser tratado com intenso cuidado, respeito e atenção.
 
Desta forma, antes de qualquer coisa, gostaria de tornar público a minha interpretação geral de que o direito à vida é um valor extremamente forte em mim. Viver e deixar viver são valores que muito preso. Mas como tudo neste mundo, nada é absoluto.
 
Em linhas gerais, é minha concepção que a morte, em quaisquer situações, deve ser evitada. O direito à vida deve ser um dos maiores bens, e devemos organicamente nos esforçar para mantê-lo em alta estima por todos. Assim, em uma primeira análise, rápida e superficial, a eutanásia, o suicídio, o aborto e os assassinatos, devem ser proibidos e evitados, social, legal e psicologicamente falando.
 
Infelizmente, este assunto é bem mais complexo que nossa análise superficial possa mostrar. Cada um daqueles itens, quando analisado profundamente, poderá ser aceitável, dependendo única e exclusivamente de cada caso. 
 
Irei discorrer um pouco sobre cada um deles. Espero que todos tenham em mente que minha linha relativista, busca ter como princípio, a dignidade humana. Busco sempre uma linha ética que possibilite ao ser humano,  que cada um de nós é, conviver socialmente com dignidade.
 
O direito à vida deve, a princípio, ser uma decisão coletiva. A discussão principal deve ser decidir se cada indivíduo, em sua unicidade, pode dispor ou não do direito a SUA PRÓPRIA vida. Isto é marcante no caso da EUTANÁSIA. Teríamos nós o direito de decidirmos pelo fim de nossa vida, e solicitar a terceiros que o façam, com nossa total anuência? Em linhas gerais, creio que não. Mas vamos lá:
 
A eutanásia implica em que a pessoa está  impossibilitada, de executar, sozinha, o seu desejo de por fim a sua própria vida (caso ela pudesse fazê-lo, estaríamos discutindo o suicídio, o que faremos em breve). 
 
Imaginemos então um doente terminal. Com uma doença incurável, padecendo de insuportáveis dores. É mais humano fazer este ser, sofrer os horrores de suas dores, ou seria mais humano permitir, a ele, que se vá? 
 
O sofrimento insuportável a que algumas doenças nos levam, como cânceres terminais, faz com que o sofrimento já não possua uma razão de ser. 
Outra doença destruidora de nossa realidade é o Alzheimer. Em seu estado terminal, talvez nem mais humanidade exista, uma vez que esta desumana doença destrói, dia a dia, neurônio a neurônio, o que nos faz humanos.
 
A morte, nestes casos, é iminente, e me parece ser mais digno abreviar este sofrimento. Esta é uma decisão difícil, e não deve ser feita unicamente baseada nas opiniões dos parentes. Apenas uma junta médica, poderá atestar, se é realmente um caso terminal, e se as dores são realmente insuportáveis. Neste caso, poder-se-ia permitir a eutanasia, por decisão única do paciente (nos casos em que este ainda possua algum poder de cecisão), ou por decisão de parentes próximos (nos casos terminais em que o doente não mais possa decidir).
 
Havemos de evitar que esta decisão seja tomada pela emoção. Ela deve se basear em fatos reais. Uma junta médica poderia, com enorme margem de certeza, validar ser realmente um estado final, do paciente, onde a dor faz daquele ser, um trapo, e não mais um humano.
 
O cuidado absoluto, nestes casos, é para não permitir que a família, por quaisquer interesses próprios, interfira na decisão. A família tanto pode ter interesses na morte (herança, liberdade ou pena), como em que seja o paciente mantido vivo, a qualquer custo, por alguma situação legal, econômica ou religiosa. Esta decisão há de ser o mais técnica possível. Desta forma evitaríamos também a solicitação da eutanásia unicamente por desespero econômico do paciente, ou que este paciente deseje simplesmente abreviar o sofrimento de sua família. O maior sofrimento a ser analisado, nestes casos, é sempre o do paciente, e somente deste ponto de vista deve ser analisado.
 
Acredito que, mesmo assim, este assunto deva ser muito debatido, posto que outras opiniões sempre ajudam a moldar uma percepção mais completa e real do fato. A minha visão pode estar incompleta, ou mergulhada em pré conceitos. Posso estar deixando de ver, ou pesar, algumas outras facetas destes casos.
 
 Neste momento, alguns devem estar curiosos para me perguntar: Uma vez que acabo aceitando a eutanásia, estaria também disposto a aceitar o suicídio? Novamente, em linhas gerais, não. Acho que o suicídio deve ser evitado. Não podemos proibi-lo de fato, uma vez que é um ato executado pelo próprio ator, contra ele próprio. Mesmo assim acredito que devam ser socialmente condenadas, todas as tentativas de suicídio
 
Na eutanásia, o ser humano já está com seu fim muito próximo, padecendo de fortíssimas dores. No suicídio, o suicida está com seu controle mental ativo. Mas será que realmente o suicídio sempre será um ato indigno e imoral? Novamente creio que não. Existem algumas poucas situações, bem estremas no geral, que permitiriam o suicídio.
 
Gostaria de lembrar, mais uma vez, que para mim,  a vida deve ser sempre prioritária. A vida deve ser louvada, buscada, desejada, resguardada, protegida, salva quando possível, e mantida.
 
A vida é o bem maior e mais raro que recebemos. A chance de existirmos beira o nada. Somos um milagre da probabilidade. Todo um nível de complexidade teve de acontecer, para aqui estarmos, eu ou você, ou qualquer um dos seres humanos vivos. Esta complexidade abrange desde muito e muito tempo atrás. Mas o que importa é que se eu estou escrevendo, e você lendo o que escrevi, é porque fez-se o milagre da nossa consumação física e biológica. Não devemos assim desperdiçá-la.
 
Principalmente para os materialistas como eu, que vêm esta vida como única, sem repescagem ou direito a jogo extra, sem segunda época, recuperação, ou principalmente sem direito a uma segunda oportunidade. A vida é o maior de todos os valores. A vida é assim um bem imensamente valioso. Merece ser vivida em toda a sua potencialidade. Merece ser defendida e ser mantida. Dar fim a uma vida, deve ser um ato de extrema necessidade. Entretanto, algumas vezes, este extremo pode ser logo ali na esquina do dia a dia. Contudo viver deve ser sempre a meta.
 
Em momentos extremos, visando salvaguardar outras vidas, o suicídio poderia ser aceito.
 
Para salvar nossos filhos, qual o Pai ou a Mãe não entregaria sua vida ao suicídio. Suponhamos que estando agarrado por um cabo, este sustente apenas o peso de seus dois filhos. Neste momento estão pendurados o pai e seus dois filhos. O pai tem alguma certeza de que sem o seu peso, o cabo garantiria a sobrevida de seus filhos, até o resgate chegar. O suicídio neste caso é fortemente aceitável, diria eu, até nobre.
 
Assim, quaisquer que sejam as situações, em que o suicídio garanta a vida de outros, ele poderia ser aceitável, nem sempre recomendável, mas aceitável.
 
Outro exemplo, um pai que tendo seu filho internado, e que sabendo que um transplante possa salvar seu filho, independente da valoração física entre a vida do pai ou a do filho, e que ao saber que seu órgão pode salva-lo, e desde que não encontre outro doador, será fortemente tentado ao suicídio para que seu órgão possa ser fonte de salvação para seu filho. Apesar de neste caso haver tão simplesmente a troca de uma vida por outra, que pai ou que mãe, não se percebem na pessoa deste que fez o suicídio.
 
Sim, o suicídio deve ser evitado, pois muitos o fazem por simples medo, fraqueza, dívidas ou vergonha. Nenhum destes itens vale mais que a sua vida. Mas tenho a certeza que existem situações em que sua vida vale menos que o próprio suicídio, sabendo que são eventos muito pontuais, e até certo ponto raros. 
 
Neste momento acho que já demonstrei minha forma relativista de aplicar a ética. Não existe, para mim, ética absoluta, como não existem valores absolutos, eles participam com pesos diferentes em cada situação individual. Cada ato será tão mais ético, quanto mais felicidade e dignidade humana levar, ao maior número de pessoas, pelo maior espaço de tempo possível, e na maior área geográfica de atuação possível.
 
Será que poderemos expandir esta linha de argumentação para assassinatos ou abortos?
 
A linha geral é a mesma. Por princípio, a vida vale muito mais que qualquer ação de morte. A retirada da vida deve, a princípio, ser evitada ou proibida. Mas como antes, a relatividade dos efeitos e das ações, merece uma análise mais acurada e profunda. Difícil e complexa decisão, enquanto lidando com o bem mais caro que possuímos, que é a própria vida.
 
Tentarei expor alguns exemplos, podem parecer raros, mas com certeza são muito mais comuns do que possam a princípio parecer, podem parecer teatrais, mas ajudam a dar uma imagem mental para o que pretendo justificar, e que à minha visão, justificariam alguns assassinatos.
 
A morte por defesa pessoal. Em um assalto, ou mesmo em um sequestro, alguém está prestes a ser morto. Matar o criminoso neste caso significa salvar a própria vida. Esta forma de assassinato deve ser totalmente justificável.
 
Sem justificar a guerra, que por princípio deveria ser evitada, sendo um dos horrores da humanidade, o teatro das batalhas significa matar ou morrer. Salvo a pessoa ser uma mercenária, e ter ido para a guerra por interesse próprio, as pessoas são normalmente levadas a guerra sem escolha. No combate, tendo seu país razão ou não, se você não matar, você morre. Pode não ser ético, mas totalmente justificável.
 
 Um ou mais terroristas estão prestes a efetuar um massacre em uma escola, assassinar este, ou estes terroristas, é mais do que justificável.
 
Seu filho está sob risco de ser assassinado. Você se antecipar, e assassinar o agressor é também bastante justificável.
 
Também sou a favor da pena de morte.
 
Em todos estes casos, um cuidado máximo deve ser tomado: Garantir que o assassinato do, ou dos agressores, há de ser realmente necessário. Esta decisão deve ser muito bem analisada, porque se não for este o caso, poderemos estar dando início a temporada de caça ao próprio homem, por razões mesquinhas.
 
Resta-me discorrer sobre mais uma, que será a última, que é o aborto intencional.
 
O princípio continua o mesmo, a vida deve ser preservada acima de tudo, contudo nestes casos entram em cena alguns novos agravantes e atenuantes.
A princípio, eu acho que a Mãe deve ser preservada em relação ao feto, mas esta certeza diminui inversamente proporcional a transformação do feto em um bebê. Quanto mais próximo do nascimento, mais insegura, é para mim, esta afirmação.
 
O bebê, quando próximo do nascimento teria para mim os mesmos direitos à vida que a mãe. Em último caso, seria uma questão de difícil escolha, salvar quem, quando apenas um poderá ser salvo. Como pai, meu coração estaria fortemente marcado pelo filho. Como marido, meu coração estaria totalmente marcado com a esposa, e racionalmente, poderia pensar que salvando ela (a esposa), poderia ter com ela outros filhos, isso por si só poderia justificar um possível aborto.
 
Agora se o médico comentar que salvando a mãe, ela nunca mais poderá ter filhos, isso seria mais um agravante, para esta já quase impossível decisão. Quase uma escolha de Sofia. Caso já tenha-se outros filhos, isso pesa a favor da mãe. Entretanto mantenho uma posição natural de que a vida da mãe sempre terá, no mínimo, um viés de peso maior que a do bebê. Mas quem em sã consciência poderia culpar alguém por uma escolha tão complexa.
 
Mas e com um coração de mãe. A mãe sabe que se morrer salva a criança... Decisão difícil, que também deveria ter de levar em conta a existência de outros filhos, a idade da mãe, a saúde geral da mãe, como o seu filho estaria garantido com a morte dela. Ela poderá ter outros filhos? Etc... etc... etc... Sempre uma decisão muito difícil, mas quem em sã consciência culparia a mãe ou o pai, por um aborto, ou uma decisão de aceitar sua morte, pelo futuro rebento. Certo ou errado, contudo muito difícil de decidir.
 
Por coerência, eu acho que a mãe deve possuir a capacidade de decidir se deseja ou não a gravidez. O feto foi gerado com amor? Foi um sequestro seguido de estupro? O bebê tem hidrocefalia, possui doenças neurovegetativas muito marcantes, é totalmente disforme ou incompleto? Etc... Etc... Etc...
 
Cada caso deve ter sua análise clara.
 
Um item é para mim forte. O feto possui um momento em que já possui circuitos neuronais ativos. Neste momento, para um bebê sadio, e que não coloque em risco a mãe, o aborto deve ser totalmente proibido. Descobrir este momento é uma decisão médica e/ou científica. Não devendo estar amarrada a datas, posto que existem pequenas variações no processo de desenvolvimento dos fetos. Porem, uma vez atingido o momento em que este feto, já possua reações neurológicas e mentais, abortar deve ser tratado como um crime odioso.
 
Em decorrência, se o bebê possui uma grave doença neurovegetativa que comprometa totalmente sua existência enquanto ser humano consciente, ou mesmo uma má formação congênita que o impeça de assumir uma condição humana, o aborto poderia ser permitido.
 
Se o bebê põe em risco a vida da mãe, o aborto deve ser permitido.
 
Se o feto é não desejado, e ainda não alcançou o momento de possuir um circuito cerebral, neuronal/nervoso que já possamos qualificar como portador de vida mental, o aborto pode ser permitido. Somente uma junta médica deve autorizar este tipo de aborto, garantindo idoneidade na análise da existência de vida mental, ou não, pelo bebê.
 
Em hipótese nenhuma, uma vez atingido o estágio de vida mental, o aborto, para um bebe saldável deve ser permitido.
 
Eu pessoalmente sou contrário ao aborto, mas entendo que existem casos em que a Mãe deve poder optar por que atitude tomar. Minha filha durante a gravidez de minha esposa teve em sua ultrassonografia um laudo de hidrocefalia, foi uma notícia que abalou profundamente meu ser, mas mesmo assim, por princípio, minha posição foi a de levar a gravidez normalmente, e se necessário fosse, conviver com o neném, mesmo com fortes suspeitas de anormalidades mentais, como uma filha legítima. Sei porem que era uma decisão muito difícil e dolorosa, e que deve ser dado a cada mãe o direito de decidir. Seria totalmente justificável que outros pais preferissem o aborto. Mas a decisão deveria ser comprovada por outros médicos. Não apenas baseado em um laudo de um único, e no meu caso, energúmeno médico. Cabe comentar que minha filha não tinha hidrocefalia, e que foi um erro revoltante de um médico despreparado para o laudo. Minha linda filha é, além de linda, muito inteligente.
 
Por definição, tendo o bebê atingido o limiar da vida cerebral, o aborto deve ser proibido e permitido apenas para os casos críticos de risco para a mãe, má formação congênita grave, má formação grave cerebral.
 
É lógico que como bom relativista, estou aberto a discussões, e livre o suficiente para ajustar minha concepção, sempre que novas evidências me justifiquem a alteração do ponto de vista.
 
Este assunto deveria ser discutido de forma ampla, visando possibilitar que novos pontos de vista, e assim novas referências e evidências possam corroborar esta posição, ou mesmo sua adaptação a alguma nova realidade, ou em último caso sua total refutação.
 
Mas mantenho que, por princípio geral, a manutenção da vida é superior a qualquer ato que a remova.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 12/06/2010
Reeditado em 28/06/2010
Código do texto: T2316439
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