A Agenda do Ano Passado
Cissa de Oliveira
Tudo bem, ou não, que já seja Setembro, mas estou saindo para comprar uma agenda. É que neste ano eu não comprei nenhuma. É verdade que antes de Janeiro eu cheguei a ganhar uma, ou duas, que rapidamente presenteei à filha e à irmã. Talvez fosse por causa do trabalho danado que se enfrenta a cada trezentos e sessenta e cinco dias, eu desculpava-me. Havia aquele trabalho de passar a limpo os números dos telefones, sempre acrescentando alguns e apagando outros que, mais por teimosia do que por precaução, passam da agenda antiga para a agenda nova.
Neste ano eu não comprei e nem tive a agenda do ano. A do ano passado está tão gorda quanto aqueles pacientes que praticamente se arrastam pelos corredores do hospital, em busca de cirurgias que lhes diminuam o estômago, e posterior reeducação alimentar. Estão lá todos os papeizinhos, formulários, lembretes e letras, já obsoletos. A maior prova disso é que ao menos eu consigo me lembrar qual foi a última vez que algum dado foi ali consultado. Se querem saber como é a minha agenda do ano passado, saibam que ela mais se parece aquele tipo de gaveta onde, apressados, jogamos as coisas que não sabemos bem o que fazer com elas, mas sempre nos prometendo mentalmente que hora qualquer as colocaremos no devido lugar.
Não ter agenda neste ano não foi propriamente uma decisão, foi uma sensação. Instinto de preservação, talvez. É preciso obedecer a consciência, respeitar a dor e as alegrias dentro dos seus tempos. E como devemos acreditar nas sensações, estou certa de que ainda ontem, encerrou-se, pelo menos para mim, este ano. E eu tive tanta certeza que acabei por me lembrar: além de aqui, dentro do meu coração, onde eu assinalaria isso? Eu ao menos tinha a agenda do ano! Ninguém merece! E assim, se o ano acabou-se ontem eu preciso sair. Comprar uma agenda nova para um novo ano.
Coincidência ou não, é quase primavera e esta simples decisão pela agenda nova despertou-me a lembrança de que eu já tinha algumas coisas para assentar nas suas páginas ainda muito brancas. Se elas passarão para as agendas seguintes eu não sei. Só sei é que preciso comprar uma agenda. Incinerar a do ano passado e olhar de perto a sua fumaça muda de sensações e prazos.
Da série: “Exercícios da Prosa”