Uma Feliz Depressão

Eu perdi o tesão. Não o sexual. Um outro tesão. De quase tudo. Aliás, de tudo. Tá, de QUASE tudo. Eu acordava e trabalhava depois ia treinar artes marciais e me sentia bem pra caralho, tinha um vigor impecável e uma vontade de transar quase constante. E eu dava conta de tudo, tinha paixão por tudo e as 24 horas do dia não pareciam suficientes pra tanta energia. Eu tinha sonhos. Sonhava com coisas materiais. Casa, carro. Viagens, aviões, piscinas. Paisagens, outras comidas e outras culturas. Tinha vontade de ter uma moto e sair pilotando entre os carros. Mó adrena! Tinha vontade de fazer uma faculdade na área de tecnologia e trampar feito um louco resolvendo encrencas computacionais o dia inteiro e ganhando bem pra caralho por isso. Sonhava em morar na Paulista. Ir pra Monte Verde no inverno e para alguma praia nordestina de água transparente no verão. Tirar foto com os peixes coloridos. Talvez tirar uma foto nadando atrás de uma nota de vinte Reais. Com o pinto de fora. Aí treinar virou uma coisa sem sentido. Ficar lá, se matando de dar porrada em saco, esticando as pernas, fazendo abdominais, dando canelada em pneu de trator e saindo na porrada com um gorila de cem quilos. Sentindo dor. Suando feito um louco. Perdendo tempo na academia enquanto o resto do mundo estava fodendo ou ganhando dinheiro. E eu não podia sair dando porrada em ninguém. Não que quisesse fazer isso. Quanto mais se treina, menos violento se fica. Estou violento. Só de pensar em relar os bagos no chão forçando abertura me dá preguiça. Eu já não sei mais transar. Não consigo me concentrar. Não consigo fazer mais nada. Eu acordo pensando em dormir. Tenho preguiça. Não tenho vontade de ver amigos. Não tenho vontade de conhecer novas pessoas. Não tenho vontade de ficar com mulher nenhuma. Tenho vontade de ficar com todas as mulheres do mundo mas não tenho vontade de ficar com nenhuma delas. Ao mesmo tempo. O celular do trabalho toca e eu invoco metade das autoridades do inferno em menos de cinco segundos de tanto palavrão que sai naturalmente da minha boca. O povo olha e torce o nariz, se benze. Me odeia. E eu cago, solto mais meia dúzia de palavrões e mergulho de cabeça no meu ódio pelo mundo e por tudo. Não tenho mais vontade de ter carro nem dinheiro nem casa nem mulher nem cachorro nem roupas novas nem glamour nem um corpo bonito nem menos barriga nem mais braço nem mais amigos nem mais mulheres nem menos amigos nem mais nem menos nada não tenho mais vontade de nada e não tenho mais nem vontade de apertar a tecla da vírgula pra dar pra você que me lê alguns segundos à mais pra respirar. Ponto. Pronto. Respira. Respirou? Continuando: meu tênis é furado, minhas cuecas somem, sou feio, meia dúzia de pessoas diz que me ama."Diz" ou "dizem"? Eu me arrisco escrevendo um monte de coisas mas me sinto tão analfabeto, às vezes. Eu deveria colocar reticências depois do "vezes", não é? Eu não compreendo mais nada do que acontece pelo mundo. Qual é a minha utilidade nele. A sua utilidade nele. Essa época de Copa do Mundo traz tanta alegria pro povo do meu País. Do seu País. A nação pára pra ver duas dezenas de heróis correndo atrás de um pedaço de couro enchendo o rabo de dinheiro enquanto o dinheiro faz dinheiro enquanto eles dormem e cagam e andam pelas pessoas que se matam por eles sem eles saberem mas não pára e até dá de ombros enquanto queimadas são feitas e o óleo vaza e vaza e vaza. País idiota. Povo feliz. O povo ganha o dia quando uma mequetréfe da novela se fode. Falam "bem feito" e porra, eu lá do lado, sem entender nada. Tentando me entender, porque não vejo nada demais no que faz a massa tão feliz. Achando eles idiotas. Não me achando superior, não, nunca, mas achando eles idiotas e só. Minha opinião. A felicidade e a idiotia caminham na mesma linha tênue. Mas nem de dar a minha opinião eu tenho vontade, fico na minha, me remoendo, vendo a paixão por tudo sair pelos meus poros. Sabe, tem vez que me comparo à um navio cargueiro. A carga: minhas emoções e sentimentos. E eu virei um navio à deriva. Um submarino invisível me atacou, furou meu casco. Fiquei à deriva, sem o controle do leme, com um buraco que foi feito sem eu perceber. E por esse buraco as cargas vão caindo no mar do esquecimento, no mar do vazio, no mar do espaço; um mar sem volta, sem fundo, feroz e traiçoeiro. Preciso de marinheiros para trazer a carga de volta e remendar o estrago que foi feito pelo torpedo do destino. Mas são uns inuteis, que trazem uma coisa e deixam escapar outra; e quando vão buscar a outra deixam escapar a que já estava quase em seu devido lugar novamente. Não, não preciso de marinheiros trabalhando desordenadamente. Preciso de um capitão. Uma capitã (?), melhor. Para organizar a carga, colocar tudo no lugar. Cuidar de mim. Eu lá reclamando sozinho xingando aquela porra de celular de toque irritante e minha amiga fala assim: ei, você tá precisando sabe do quê? De alguém pra cuidar de você! Você embola a jaqueta e joga na mochila, todo relaxado, fala de evacuação e de ejaculação em voz alta como se fosse a coisa mais natural do mundo e provavelmente bate punheta todo dia. É, tirando a parte da punheta, o resto era bem perto da verdade. Eu tinha perdido a vontade de bater punheta. Então eu falei que precisava de férias. Talvez de um pouco de carinho e atenção. Talvez de uma boa trepada. Mas uma boa trepada com uma boa pós-trepada, não aqueles lances de gozar-limpar-o-pau-dividir-o-motel-e-cada-um-pro-seu-barraco; Não, algo de cumplicidade rolando enquanto a vagina vai secando e o pau amolecendo. Eu tenho uma mania desagradável de torcer o nariz quando recebo conselho das minhas amigas. Absorvo-os, alguns deles me irritam e são eliminados. Mas na maioria das vezes, por pura sabedoria ou por pura praga, elas sempre se saem como boas profissionais na arte da profecia. Ou talvez eu seja burro demais pra perceber o óbvio. Uma habilidade nata de mascará-lo com fantasias extremamente fantasiosas - e redundantemente redundantes. Uma habilidade nata pra se enganar. Uma habilidade bem acurada na arte de cometer o mesmo erro nos últimos seis anos. Queria eu, que essa falta de sensibilidade e falta de vontade de evoluir financeira e materialmente seja fruto de uma depressão passageira. Quero eu que seja. Aliás, quero é que se foda. A única coisa - a única coisa MESMO - que ainda me dá certo prazer em pensar em fazer é isso aqui. Isso o quê? Escrever! Sim, quando acordo reclamando da minha vida (lado ruim) eu já começo a pensar num jeito de transformar essa minha indignação sem nexo em adjetivos, advérbios, verbos, substantivos (lado bom). Gonorréia, logorréia, verborréia. Sim, mas me dá uma esperança de me manter vivo sem que meu cérebro definhe e eu me torne um zumbi. Tem gente que se identifica, gosta. Elogia. Critica. Recusa-se a ler. Beleza. Me supero e volto te apresentando algo que você vai lamber os beiços pra ler duas vezes. Evolução. Estou buscando essa tal de evolução. Quero me enriquecer. Em espírito. Puta, mas dinheiro é uma porra mesmo. Eu queria ter, queria sim, muito. Ia estudar História, Filosofia, Letras. Ia falar meia dúzia de idiomas. Falar de vinhos, de apicultura. Faria um orquidário. Tiraria fotos no Rio Amarelo, no Brooklyn Banks, no Arco do Triunfo, na Big Apple e nossa, como eu ia comer! Ia ter um fazendão da porra com uns duzentos gatos e uns cinqüenta cachorros e aí sim eu escreveria divinamente, ah, sem pressão, sem preocupação, sem aquele boleto da faculdade que tem valor equivalente a 60% do meu salário todo dia olhando pra mim e falando "e aí bundão, vai colar meu rabo no raio-laser do leitor do código de barras que dia? No dia que a sua conta não estiver mais com meia pataca furada à disposição? HAHAHA LOSER, você é um perdedor, pagou seis irmãos meus para quê? Pra porra nenhuma, perdedor! Isso é o que você é, um perdedor!". Que boleto filho da puta! Ele e seus irmãos, que em breve se juntarão na merda da minha gaveta e serão o atestado da minha mais dispendiosa e estratosférica burrice. Mas tudo bem. Parece que eu vivo nadando contra a maré da minha vida. E sempre nadando a favor do azar. Contra a maré da sorte. A vida me sorri, irônica. Puta! Mas eu tenho onde deitar, gasto como posso e como quero. Não tenho nem casa nem carro nem merda nenhuma no meu nome além de uma faculdade por trancar e um boleto maldito por pagar, mas olha, sempre que posso eu ergo o dedo do meio pra vida e grito: TE VENCI e ando por você sorrindo. Você dá das suas me deprimindo mas quando eu saio por cima eu sorrio e te mostro o dedo do meio como gratidão por você me dar uma chance de estar aqui escrevendo, fazendo uma história que um dia cairá no esquecimento, mas que por enquanto, rá (momento pretensioso), muitas pessoas estão fazendo parte. E eu te amo, vida! Do meu jeito, claro! Amo vocês também, que me deprimem e que me alegram; que me lêem e que me criticam; que me amam e que me odeiam. Todos vocês ali, fincados onde a sístole e a diástole trabalham. É, tive um vislumbre de vontade de recuperar a vontade de fazer o que eu perdi a vontade de fazer.

Obrigado!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 11/06/2010
Reeditado em 11/06/2010
Código do texto: T2314738
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