Página de Saudade

Página de Saudade

A memória corre célere no tempo, para em determinados momentos, tenta voltar um pouco mais atrás. Nada marcante no jardim de infância, só o nome da escola se destaca em uma placa grande. A memória se adianta. Emoção ! Neste trecho da minha vida a memória para, vários sentimentos afloram: alegria, ansiedade, saudade.... desejo de reviver aqueles momentos.

A primeira professora, do primeiro ano,ninguém esquece, mesmo quando as lembranças não são tão especiais quanto as minhas. O nome me soou estranho, Arismar ! Porém seus olhos, de imediato, confortaram o coração daquela menininha ansiosa pelo primeiro dia escolar, primeiro dia de uniforme. D. Arismar nos acolheu com seu olhar carinhoso e nós, alunos estreantes, nos sentimos mais seguros e confiantes para iniciar nossa trajetória escolar.

D. Arismar associava o ensino do método tradicional com técnicas psicológicas que faziam os alunos se interessarem pela aula e sentirem alegria por ir à escola... e que alegria... não via a hora de vestir minha sainha curta e blusa branca, escolher uma surpresa para a querida professora e chegar na escola para ser a escolhida para carregar a bandeira do Brasil que, durante o hino de entrada, seria hasteada. Emoção novamente. Agora sei que o forte sentimento de patriotismo que me assola a alma surgiu desse momento.

Imagens embaçadas, muitas faces e momentos se revezando na ciranda das lembranças. A memória parte para um momento triste: vou mudar de escola. No final do terceiro ano primário as professoras lamentam minha saída. Que triste e que lindo ! Triste por deixar meus amigos, minha escola, as professoras e lindo porque fiz a minha história naquela escola e deixei saudades.

Agora sim, um turbilhão de lembranças. Para que momento vou, onde meu coração pede para parar ? Da quarta a sexta série uma outra etapa, uma outra escola. Surgiu o esporte. Representei a escola em muitas competições de natação, as medalhas ficaram por lá, trago somente as lembranças dos momentos de vitória e algumas derrotas. A face de D. Zíbia é a primeira que me lembro, cabelos compridos sempre amarrados, corpo pequeno, voz firme. Pela sua voz podia se constatar o domínio sobre o assunto. Se é que se pode dizer isso, ela tinha a didática perfeita para ensinar Língua Portuguesa. D. Luiza, professora de Artes, futura diretora da escola. Ela sabia desenvolver um conteúdo, conduzia os alunos de forma disciplinada e, apesar de sua austeridade, nós nos interessávamos pela aula. Nunca sorria, porém, um dia, fazendo um trabalho de artes, ela se aproximou, sentou-se do meu lado, fez um desenho lindo e disse: “guarde, é para você !”. Guardei e o tenho até hoje. Era uma forma que ela arrumou para demonstrar afeto.

O tempo passou, de menina me tornei adolescente. O interesse pela leitura, pela escrita e a imensa vontade de aprender sempre mais, com certeza, me ajudaram quando tive de enfrentar uma mudança mais drástica. Saí da Escola Municipal para uma Escola Particular, Olavo Bilac. Os professores investiam na aprendizagem de forma contundente. Não havia descanso. Formamos um grupo de estudo com quatro meninas, estudávamos até a exaustão e nos divertíamos muito. Meus melhores momentos escolares. A memória se detém no rosto de cada amiga e muitos outros momentos afloram na lembrança. Bons tempos !

Eleger um professor que marcou minha vida escolar é difícil. Todos tinham suas características, virtudes e imperfeições. O professor de Geografia, Alberto, sempre será lembrando pelo tom forte de voz e pelo giz que, vez ou outra, voava pela sala, sinal de alerta, professor queria atenção. Jorjão, professor de Português, um dos mais queridos da escola. Seu jeito calmo e atrapalhado conquistava a amizade dos alunos. Ele combinava didáticas: explicação da matéria, reflexão, comentários, participação dos alunos e conclusão por meio de debates ou exercícios. Manô, como era chamado o professor de Física Manoel, sempre trazia chocolate para mim, tinha uma boa interação com a classe mas não possuía muito domínio da matéria. D. Zélia, professora de Biologia, era amedrontadora. Suas provas eram todas retiradas de questões de vestibular, os mais difíceis. Passamos muitas madrugadas mergulhadas na genética e no ecossistema. Seu método é contestado pois não guardo uma combinação genética sequer, por outro lado me recordo de muitas fórmulas químicas e de quase todas as regras gramaticais. Professora Maria era uma artista em sala, suas explicações nos faziam vivenciar a História e mergulhar na época que descrevia. Fantástico ! Mas não havia interação entre professor e aluno, ela entrava em sala para atuar e passar o conteúdo com maestria.

A matemática de inimiga passou a ser uma amiga depois que conheci a Flora. Se há professor perfeito então elejo a Flora. Perfeita interação entre professor-aluno, amiga de todos, sabia dosar amizade e aprendizagem, conduzia as aulas com a competência de um professor que domina o conteúdo e sabe transmiti-lo. Nas avaliações cobrava exatamente o que ela ensinava durante as aulas. Gostaria de inventar uma Flora para ensinar Matemática para meus filhos. A memória se enche de saudades !

Avanço um pouco mais no tempo e percebo que os anos doravante não são relevantes. Passo por todo o período do curso de enfermagem e, posteriormente, o curso técnico em secretariado. Nada a declarar, a não ser o acúmulo de aprendizado que tornou minha existência mais rica.

Minha memória alcança o hoje e me vejo professora de Inglês. Todos os professores me ajudaram a formar a professora que sou hoje. Ensinar é um grande desafio hoje em dia, pois é necessário dosar conhecimento, psicologia e metodologia. O ensino somente surte efeito se o professor atua por inteiro, se faz com que a vontade de ensinar e colaborar com a educação e melhoria do indivíduo e, até mesmo da nação, seja maior que as dificuldades encontradas pelo caminho, quando faz de sua profissão a sua missão.

A saudade fica, as lembranças se findam.

Wanderléia Freire
Enviado por Wanderléia Freire em 11/06/2010
Código do texto: T2314118
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