UM ATO DE AMOR

Eu subia o aclive correndo, já suando a camisa no meu exercício matinal quando ele resolveu me acompanhar.

A cena é comum entre seres humanos e cachorros, e não é a toa que dizem ser o cão o melhor amigo do homem.Um fato também é certo: cachorro parece ter alma, aquela mesma que tão bem se espelha na expressão dos olhos humanos, e não foi difícil perceber que ele buscava por companhia.

Queria falar, então instantaneamente eu o batizei de Rex.

"Vamos Rex, agora vamos correr mais um pouco...juntos".

E ele obedeceu. Vinha fielmente ao meu lado, um tanto cansado depois de poucos metros, a arrastar sua carcaça trôpega e raquítica, que nitidamente se espelhava sob a sua pele opaca e cheia de perebas e de feridas algo sangrantes, talvez uma dermatite exacerbada pelo frio.

Chegamos lá em cima no momento em que pude ouvir alguns de seus gemidos.Talvez fosse fome, eu pensei.

Naquele momento entendi de vez que, deveras, todos temos destino. Nada nesse mundo escapa dele, nem os seres animados sequer os inanimados.

E foi assim pensando que de repente o vi interessado por uma graciosa cachorrinha que descia a rua, segura por uma coleira brilhante presa fortemente às mãos de sua dona, e cujo corpo em forma de salsicha estava todo paramentado para o frio que fazia.

Uma cachorrinha quieta e simpática, da raça "Basset" que logo correspondeu aos olhares do Rex, o meu cãozinho que ali na rua acabara de ser adotado pelo meu coração.

Qual não foi meu susto quando percebi o desespero da dona da Basset, que com a discreta aproximação do Rex, agarrou a bichinha no colo, exclamando um "não!" que ensurdeceu aos meus e aos ouvidos do pobre Rex.

Ali acabara de se instalar um "muro de Berlim" entre a distância social do Rex e da Basset.

Seria um ato instintivo de amor? eu me perguntei.

Teria aquela dona protegido sua cachorrinha da visível doença do Rex?

Quantos atos de "amor" são cometidos pelo mundo afora, em nome de tantos outros sentimentos que de "amor" se travestem a gerar inúmeras mazelas?

"Vamos Rex, caminhando!" eu disse a ele, "vamos procurar outra namorada".

E não demorou muito.

Quando dei por mim eu já corria sozinha, posto que Rex logo se enrabichou por outra, dessa vez sem as travas mundanas que impedem os corações de bater mais forte...

Lancei meu olhar a ele e pude perceber que seu mundo havia mudado.

Verídico.