Hoje
Que dia estranho! O sol não vem hoje, e a chuva desanima quem vai... Trabalhar e estudar.
Por falar em trabalhar... Hoje, enquanto estava a caminho do trabalho entrei num ônibus como de costume. Era de se esperar que houvesse trânsito, e o ônibus estivesse lotado. No meio da lotação, lá estava eu, no vão entre bancos, de pernas cruzadas, com o capuz da blusa sobre a cabeça. Saquei do bolso um livro de leitura obrigatória, não pela qualidade que talvez o livro possuísse, mas pela necessidade de ler. Odeio leituras obrigatórias exigidas pela faculdade.
E tentei prosseguir lendo...
Não há acordo entre a concentração e o desinteresse. A cada linha lida, retrocedia ao início do parágrafo. Os motivos que mais me desconcentravam descrevem a qualidade de um dia chuvoso como o de hoje.
- O senhor pode segurar para mim por favor? - Perturbou o vendedor de balas, que poderia estar matando e roubando, mas preferiu vender balas e importunar minha leitura.
- Não, obrigado. - Voltei três páginas e recomecei a ler.
Avancei as três páginas e quando estava próximo de voltar aonde tinha parado (eu acho), observo um senhor, portando um boné do PGN (Partido da Genitália Nacional), um nariz que chegava a qualquer destino quinze centímetros antes dele e, estranhamente, a expressão de alguém que adorava ano político.
- Quer sentar? - Sussurou um rapaz oferecendo seu lugar ao que já havia participado do impeachment do Collor.
- A culpa é do Maluf! Quem vota em alguém como ele é politicamente louco, e é por isso que os ônibus vivem nestas condições. - Disse o ex-promotor dos caras pintadas.
Antes que ele desse continuidade à história política de sua vida, voltei cinco páginas e esforcei- me a recomeçar, ignorando o polido e discreto articulador da genitália.
Foi quando o ar começou ter dificuldades em se locomover entre tantas pessoas, que uma moça que também lia (porém aparentava ler com mais interesse que eu), teve que se aproximar do vão devido o excesso de pessoas no diminuto veículo.
As cenas que seguem poderiam dar início a uma história romântica. Porém ela teve que se aproximar a ponto de nossos livros se chorarem constantemente. Nas primeiras dez vezes foi perdoável, mas alimentado pela situação e acúmulo de raiva de alguém que só queria ler um livro, percebi que já havia lido aquela interessante obra, e adotando-a como bode expiatória, soltei compulsivamente:
- Eu já li esse livro, a protogonista morre no final.
- Filho da ****! - Gritou ela, e nesse momento o interesse tinha acabado.
- É o que todos que votam no Maluf são! - Falou o velho aproveitando o ensejo.
A moça que também já havido superado as situações anteriores, pareceu ignorar o discurso genital, e com o livro em mãos me acertou no meio da fuça.
Naquele momento, percebi duas coisas - a protagonista havia morrido mais cedo no meu rosto, e estava enganado, eu não tinha lido aquele livro ainda.
Fechei a janela, cansei das gotas de chuva, voltei ao índice. Que dia estranho...