Esse Meu " Jeito Linhaça" De Ver
Esse Meu "Jeito Linhaça" De Ver
Jorge Linhaça
Muita gente estranha a minha maneira de ser, bastante diferente da que se convencionou como padrão para um poeta ou escritor nestes tempos de internet.
Não me furto a falar sobre praticamente nenhum assunto, por mais "incomodativo" que ele seja ou por mais que minha visão pareça diametralmente oposta à da maioria.
Não sou herói nem anti-herói, apesar de muitas vezes parecer quixotesco investindo contra moinhos de vento.O fato é que os moinhos existem por mais que se insista em ignorá-los.
Minha história de vida é semelhante a de muitos outros brasileiros espalhados por este mundão afora. Tive mais sorte que alguns e menos sorte do que outros. Isso depende, é claro, do ponto de vista. Tudo no mundo depende do ponto de vista. A própria pobreza é questão de ponto de vista.
Quem só conhece a pobreza do ponto de vista dos autores de novela, há de imaginar que a vida de favelado é glamourosa, que reclamam de barriga cheia, afinal, nas novelas, qualquer favelado vive em casas de alvenaria, tem lá sua TV, sua geladeira, os móveis necessários para um certo conforto e nunca lhes falta as condições mínimas de sobrevivência. Em novelas nunca falta comida na mesa...
A realidade, no entanto, é diferente disso. Muitos barracos são feitos de restos de madeiras, que vão desde sobras de construção até placas de Eucatex, passando por caixotes de frutas.
Em muitos casos ainda se encontram pisos de "chão batido".
Em novelas não existe esgoto a céu aberto e nem aquele córrego que corta a favela...em novelas não existem ratos disputando restos de alimentos e nem o cheiro fétido da insalubridade.
Não amigos, antes que alguém comece a" imaginar coisas" eu nunca morei em uma favela, mas convivi sim com quem lá morava. Convivi com a pobreza dos bairros de ruas de terra na periferia da cidade de São Paulo. Hoje os lugares onde vivi são bem diferentes...todos urbanizados e asfaltados mas na época não era nada disso.
Se acham que isso era ruim, é porque nunca brincaram em uma rua de terra, entrecortada por terrenos baldios...ali fazíamos "guerra de mamonas", construímos "cabaninhas", rolávamos pneus ladeira abaixo...capinávamos terrenos abandonados para fazer "campinhos de futebol", tínhamos jogos memoráveis contra a "rua de cima" ou a "rua de baixo" valendo tubaína e sandubas de mortadela; empinávamos pipas com liberdade...
Claro que , quando chovia, ir à escola era uma aventura, íamos amassando barro e tentando não sujar o uniforme da escola pública em nossas caminhadas de quilômetros.
Tive amigos que moravam em uma velha casa de chão batido, nossas casas eram separadas apenas por um terreno baldio. Ao contrário das novelas, a vida não era fácil para eles, fogão era artigo de luxo, preparavam as refeições era numa fogueira no quintal.
Televisão? Ah, isso era coisa para poucos, eu mesmo só fui "ter" uma em casa quando já era crescidinho, antes disso só na casa de amigos, em algumas ocasiões.
Talvez por isso eu tenha me interessado pelos gibis e livros desde a mais tenra idade...aprendi a ler aos cinco anos.
Minha diversão, aos domingos, era colocar alguns cobertores no quintal, fazendo uma " cama" e ficar ouvido rádio. Lembro-me do "projeto Minerva"; " O trabuco" do saudoso Vicente Leporace; do "Pulo do Gato", entre outros, talvez isso tenha servido para desenvolver , em parte, o meu senso crítico.
Era o tempo da ditadura, do Médici e do Geisel...os anos de chumbo.
Fiz carreto na feira pra ganhar uns trocados...revirava os terrenos baldios catando restos de ferro e vidros para vender para o " ferro velhooooo; garrafeiroooo" que passava todas as semanas com sua carroça puxada a cavalo. Vendi gibis usados na feira...juntava jornais velhos para vender à quilo nas barracas de feira...enfim...já fazia reciclagem antes de ser moda. rsrsrs
O tempo passou, mudei de casa, de bairro...continuei na classe D...nunca me faltaram as coisas básicas, mas luxo mesmo, quase nenhum. Só mesmo o título de sócio no Clube Esportivo da Penha, onde aprendi a nadar e fiz parte, por pouco tempo, do time de vôlei...( na verdade fazia parte do grupo que treinava )
Minha vida sempre foi vivida nas classes menos abastadas.Nunca tive um bicicleta, um vídeo game, antes de me casar.Sempre estudei em escolas públicas.
Fui ser missionário no Paraná e Santa Catarina...outras culturas, outros povos...visitei pobres e ricos.
Voltei depois de dois anos. Fui ser vendedor de refrigerantes...
Fiz teatro e viajei com a nossa peça.
Fui vendedor de material hospitalar, plano de saúde, títulos de clubes, etc.
Casei, fui fazer faculdade, agora sim, paga...passei em vários vestibulares mas tive de optar pelo curso mais barato.
Ganhei uma bolsa parcial ( 50 dólares por mês) de uma instituição e à duras penas consegui pagar meu curso de pedagogia.
Não foi fácil não...no sábado saía da faculdade e ia a pé para uma feira, pegar restos de frutas e verduras pra garantir alguma mistura para mim, minha esposa e filhos.
Nunca passei fome, graças a Deus, mas tinha de dar meus pulos.
No banco onde trabalhava, em um posto de serviço, recebíamos um lanche que vinha sempre numa quantidade a mais, levava vários para casa, inclusive sacos de leite, para aliviar o orçamento sempre apertado.
Estudava à noite, mas saía do banco no meio da tarde. Para economizar duas passagens do metrô , deixei de ir para casa e ia direto pra faculdade...chegava lá e assistia algumas aulas da turma da tarde e combinei com alguns professores de compensar as da noite...assim, algumas noites, ia para casa mais cedo.
Tempos difíceis, nada de heróico, claro, mas sempre tive de ir me adaptando.
Já trabalhei em muitas coisas, construção civil junto com a peãozada em canteiros de obras cheios de barro...já carreguei carne pra açougue, trabalhei em comércio popular, dei aulas no fim do mundo...fiz segurança de eventos, fui supervisor de terminal de ônibus, já fui pra Portugal trabalhar em hipermercado, sei o que é ser imigrante, as dificuldades de adaptação, o sonho acabado...voltei, trabalhei com crianças de rua, fui agente penitenciário...
Conheço a pobreza, ao vivo e a cores, tanto a pobreza econômica quanto a da alma humana.
Aprendi , na prática, a filtrar informações, a olhar além do aparente.
Minhas novelas eu vivi e vivo na vida real, não preciso de "big brothers" ou folhetins eletrônicos glamourizados. Não engulo notícias fragmentadas e manipuladoras.
Talvez por isso eu veja as coisas diferente da maioria, talvez, por todas essas vivências, eu tenha esse " meu jeito Linhaça de ver".
"Quem olha do topo do mundo
não vê mais do que formigas
correndo pra lá e pra cá.
Só quem anda de "pé no chão'
conhece o drama que se desenrola
na alma dos seres humanos.
É preciso aprender a ver,
e não apenas olhar, os dramas
que se desenrolam no dia a dia"
Jorge Linhaça
SP, 10 de junho de 2010
7:40
Contatos com o autor:
anjo.loyro@gmail.com
Esse Meu "Jeito Linhaça" De Ver
Jorge Linhaça
Muita gente estranha a minha maneira de ser, bastante diferente da que se convencionou como padrão para um poeta ou escritor nestes tempos de internet.
Não me furto a falar sobre praticamente nenhum assunto, por mais "incomodativo" que ele seja ou por mais que minha visão pareça diametralmente oposta à da maioria.
Não sou herói nem anti-herói, apesar de muitas vezes parecer quixotesco investindo contra moinhos de vento.O fato é que os moinhos existem por mais que se insista em ignorá-los.
Minha história de vida é semelhante a de muitos outros brasileiros espalhados por este mundão afora. Tive mais sorte que alguns e menos sorte do que outros. Isso depende, é claro, do ponto de vista. Tudo no mundo depende do ponto de vista. A própria pobreza é questão de ponto de vista.
Quem só conhece a pobreza do ponto de vista dos autores de novela, há de imaginar que a vida de favelado é glamourosa, que reclamam de barriga cheia, afinal, nas novelas, qualquer favelado vive em casas de alvenaria, tem lá sua TV, sua geladeira, os móveis necessários para um certo conforto e nunca lhes falta as condições mínimas de sobrevivência. Em novelas nunca falta comida na mesa...
A realidade, no entanto, é diferente disso. Muitos barracos são feitos de restos de madeiras, que vão desde sobras de construção até placas de Eucatex, passando por caixotes de frutas.
Em muitos casos ainda se encontram pisos de "chão batido".
Em novelas não existe esgoto a céu aberto e nem aquele córrego que corta a favela...em novelas não existem ratos disputando restos de alimentos e nem o cheiro fétido da insalubridade.
Não amigos, antes que alguém comece a" imaginar coisas" eu nunca morei em uma favela, mas convivi sim com quem lá morava. Convivi com a pobreza dos bairros de ruas de terra na periferia da cidade de São Paulo. Hoje os lugares onde vivi são bem diferentes...todos urbanizados e asfaltados mas na época não era nada disso.
Se acham que isso era ruim, é porque nunca brincaram em uma rua de terra, entrecortada por terrenos baldios...ali fazíamos "guerra de mamonas", construímos "cabaninhas", rolávamos pneus ladeira abaixo...capinávamos terrenos abandonados para fazer "campinhos de futebol", tínhamos jogos memoráveis contra a "rua de cima" ou a "rua de baixo" valendo tubaína e sandubas de mortadela; empinávamos pipas com liberdade...
Claro que , quando chovia, ir à escola era uma aventura, íamos amassando barro e tentando não sujar o uniforme da escola pública em nossas caminhadas de quilômetros.
Tive amigos que moravam em uma velha casa de chão batido, nossas casas eram separadas apenas por um terreno baldio. Ao contrário das novelas, a vida não era fácil para eles, fogão era artigo de luxo, preparavam as refeições era numa fogueira no quintal.
Televisão? Ah, isso era coisa para poucos, eu mesmo só fui "ter" uma em casa quando já era crescidinho, antes disso só na casa de amigos, em algumas ocasiões.
Talvez por isso eu tenha me interessado pelos gibis e livros desde a mais tenra idade...aprendi a ler aos cinco anos.
Minha diversão, aos domingos, era colocar alguns cobertores no quintal, fazendo uma " cama" e ficar ouvido rádio. Lembro-me do "projeto Minerva"; " O trabuco" do saudoso Vicente Leporace; do "Pulo do Gato", entre outros, talvez isso tenha servido para desenvolver , em parte, o meu senso crítico.
Era o tempo da ditadura, do Médici e do Geisel...os anos de chumbo.
Fiz carreto na feira pra ganhar uns trocados...revirava os terrenos baldios catando restos de ferro e vidros para vender para o " ferro velhooooo; garrafeiroooo" que passava todas as semanas com sua carroça puxada a cavalo. Vendi gibis usados na feira...juntava jornais velhos para vender à quilo nas barracas de feira...enfim...já fazia reciclagem antes de ser moda. rsrsrs
O tempo passou, mudei de casa, de bairro...continuei na classe D...nunca me faltaram as coisas básicas, mas luxo mesmo, quase nenhum. Só mesmo o título de sócio no Clube Esportivo da Penha, onde aprendi a nadar e fiz parte, por pouco tempo, do time de vôlei...( na verdade fazia parte do grupo que treinava )
Minha vida sempre foi vivida nas classes menos abastadas.Nunca tive um bicicleta, um vídeo game, antes de me casar.Sempre estudei em escolas públicas.
Fui ser missionário no Paraná e Santa Catarina...outras culturas, outros povos...visitei pobres e ricos.
Voltei depois de dois anos. Fui ser vendedor de refrigerantes...
Fiz teatro e viajei com a nossa peça.
Fui vendedor de material hospitalar, plano de saúde, títulos de clubes, etc.
Casei, fui fazer faculdade, agora sim, paga...passei em vários vestibulares mas tive de optar pelo curso mais barato.
Ganhei uma bolsa parcial ( 50 dólares por mês) de uma instituição e à duras penas consegui pagar meu curso de pedagogia.
Não foi fácil não...no sábado saía da faculdade e ia a pé para uma feira, pegar restos de frutas e verduras pra garantir alguma mistura para mim, minha esposa e filhos.
Nunca passei fome, graças a Deus, mas tinha de dar meus pulos.
No banco onde trabalhava, em um posto de serviço, recebíamos um lanche que vinha sempre numa quantidade a mais, levava vários para casa, inclusive sacos de leite, para aliviar o orçamento sempre apertado.
Estudava à noite, mas saía do banco no meio da tarde. Para economizar duas passagens do metrô , deixei de ir para casa e ia direto pra faculdade...chegava lá e assistia algumas aulas da turma da tarde e combinei com alguns professores de compensar as da noite...assim, algumas noites, ia para casa mais cedo.
Tempos difíceis, nada de heróico, claro, mas sempre tive de ir me adaptando.
Já trabalhei em muitas coisas, construção civil junto com a peãozada em canteiros de obras cheios de barro...já carreguei carne pra açougue, trabalhei em comércio popular, dei aulas no fim do mundo...fiz segurança de eventos, fui supervisor de terminal de ônibus, já fui pra Portugal trabalhar em hipermercado, sei o que é ser imigrante, as dificuldades de adaptação, o sonho acabado...voltei, trabalhei com crianças de rua, fui agente penitenciário...
Conheço a pobreza, ao vivo e a cores, tanto a pobreza econômica quanto a da alma humana.
Aprendi , na prática, a filtrar informações, a olhar além do aparente.
Minhas novelas eu vivi e vivo na vida real, não preciso de "big brothers" ou folhetins eletrônicos glamourizados. Não engulo notícias fragmentadas e manipuladoras.
Talvez por isso eu veja as coisas diferente da maioria, talvez, por todas essas vivências, eu tenha esse " meu jeito Linhaça de ver".
"Quem olha do topo do mundo
não vê mais do que formigas
correndo pra lá e pra cá.
Só quem anda de "pé no chão'
conhece o drama que se desenrola
na alma dos seres humanos.
É preciso aprender a ver,
e não apenas olhar, os dramas
que se desenrolam no dia a dia"
Jorge Linhaça
SP, 10 de junho de 2010
7:40
Contatos com o autor:
anjo.loyro@gmail.com