O TEMPO

Encontrei-me com ela de maneira incisiva. Ela continuava a mesma. Sorriso fácil, seios pequenos, estatura abaixo da média, pernas firmes e um rosto de inebriar qualquer um. Ela seria eternamente menina, o tempo nada podia com ela, tudo que dela saía parecia resvalar inocência, pouca idade, beleza. Ela fora minha primeira grande paixão, a primeira pessoa a quem rendi homenagens em minha adolescência, a primeira pessoa com quem discuti pela primeira vez a teoria de que nada no mundo passava de um enorme buraco, que éramos toupeiras cegas por natureza, condenados a viver em função de buracos escuros e cavernosos. Mas seu olhar ainda era aquele de muitos anos antes, aquele que se recusara a namorar comigo apenas porque eu não trabalhava, logo como poderia comprar presentes? A primeira pessoa a quem pedi em namoro, a primeira recusa, um dos primeiros traumas eternos. Ela ainda tinha o mesmo frescor, a mesma beleza. Casara-se com um homem rico, que a havia trocado por outra bem mais jovem há apenas alguns meses. Seu olhar era recheado de promessas, as quais eu sabia que jamais seriam concretizadas. Ela era mesmo uma pessoa enigmática demais, mais eu gostava dela de maneira bem mais do que singular. Talvez eu realmente necessitasse dela, da lembrança daquilo que fôramos há algum tempo, daquilo que talvez tivéssemos sido. Se fosse possível dividir o tempo, não o tempo místico, mas este que classificamos como “real”, dentro da nossa tacanha condição de definir as coisas, talvez nós fossemos um do outro, um pouco mais do que um do outro, e era tão pouco, tão pouco para se lembrar, para se fazer presente. A vida, esta tal que nós clamamos por tentar viver, como se isso fosse, mesmo nos mais remotos contos infantis, possível, esta mesma senhora gorda e onipresente, esta que nos mata sem piedade assim que respiramos por uma brecha mínima do tempo, a verdade. Tempo este seu filho, rebelde, que para contrariar a matrona mãe, de vez em quando nos alerta, e depois ri como criança tola que é, apaixonado por alguma garota, que preserva enquanto dura sua paixão, mas que não se inibe em atirar ao limbo, assim que se encanta por outro olhar perigoso (nada mais temível do que o olhar de uma jovem que sabe-se bela), feliz por provocar uma confusão sem rédeas, uma confusão que ninguém é capaz de controlar. Como seria bom matar o tempo, talvez eu a levasse para viver comigo em um casa monitorada pelo grande irmão, aquele tal que hoje tantos buscam. Mas como posso eu criatura tão precária pensar que posso, se nem ao menos consigo controlar meus instintos mais primitivos, se não tenho controle suficiente sobre o que ocorre em meu baixo ventre, como posso achar que um dia possa vir a entender toda essa barbárie, essa barbaridade sem limites que nos cerca e nos arrasta para o bueiro sem fim dos limites de Deus.