Nicolai's Canon and fuge
Assim recobrei a consciência dos meus atos, e o efeito do analgésico passou, pude ver o que aconteceu com Nicolai.
Ele observava do alto do terceiro andar, o fagote espatifado no chão.
Alice já estava longe. Não que ele tivesse noção de quem fosse. Somente eu observo a que requintes de acaso o tempo se dá.
Nicolai pensou em tanta coisa durante sua vida, que agora não havia mais espaço para uma nova abordagem de sua alma. Estava sozinho, sentindo o cheiro do Chanel Número 5, dos peixes e do veneno de flores que costumo espalhar pelo ar, quando voo por aí.
Eu me sinto, sinceramente, como um macaco quando me dependuro em postes de luz ou sacadas de prédio, para recolher orações (na maioria das vezes sem fé).
Intrigante foi ver quando o tempo venceu Nicolai pelo cansaço. Não existe nenhuma opção, na verdade. O qua Dvorak atirou durante 30 anos sobre o papel, e chamou de concerto para violoncelo, dopou a mente do fagotista. Viver é não ter, enfim, escolha.
Os dedos de Nicolai, então, percorreram as cordas esticadas sobre a madeira, e como muita coisa não carece de desculpa para ser, começou o concerto para os insetos e fantasmas que residiam o quarto.
Aos poucos, os dedos sangravam, e era curioso ver as gotas tingirem o chão de madeira e micro-partículas de tecido serem levados pelo ar.
Eu creio que misericórdia, é não interferir no caminho pelo qual o homem se arrasta. E por isso mesmo, não adormeci Nicolai quando pude, nem soprei em seu ouvido que aind existia esperança.
Nicolai apenas tocava sua música. E nada iria além daquilo.
Tenho, particular interesse por pernilongos. Essa platéia sempre animada que aplaude qualquer coisa que Nicolai toque. Pernilongos adoram gestos trágicos, mediocridade declarada e, como todo inseto covarde, corre de qualquer coisa que tenha alguma profundidade.
Não que o que Nicolai executou naquele dia em seu viloncelo seja medíocre. Mas quem assistia, acreditava que se tratava de expressão mais pura da alma. Mas naverdade, Nicolai queria apenas se cortar, se ferir e possivelmente se mutilar, para que a dor de não haver mais nada além daquele quarto se tornasse suportável.
Após a hora do Angelus daquele dia, após seguir Alice como um cão raivoso, eu finalmente, em anos, entendi mais alguma coisa a respeito de estar vivo. Pode ser que não existir seja o melhor presente divino.
As horas passaram, juntamente com os cigarro que se tornaram cinzas, com as prostitutas que veem e vão e com os os insetos que compõem quartetos de cordas. Nicolai finalmente deixou seu violoncelo, não comeu, nem dormiu. E ficou inerte. Sem pensamentos, observando as nuances da noite. Nenhuma.
Eu acendi um cigarro. Fiquei olhando para as estrelas, para os homens, um tédio.... Daqui pra frente, vou compor apenas motetos.
Vá se ferrar, Andromeda....