Ideia de jerico velho
O grande Elpídio Navarro, teatrólogo paraibano que merece destaque especial no rol dos nossos mestres da cena, lembra em crônica publicada em sua revista eletrônica El Theatro: “Estréia da última peça que eu havia dirigido: Canção Dentro do Pão, texto de Raimundo Magalhães Júnior. Pouca gente no Teatro Íracles Pires, em Cajazeiras. O espetáculo havia sido produzido pela Fundação Casa de José Américo, para comemorar o bicentenário da Revolução Francesa. Após a estreia de poucos aplausos, um professor de curso médio daquela cidade, justificou: o espetáculo é muito intelectual para o público. O povo de hoje não estuda mais história, não sabe o significado do 14 de Julho, hoje só sabe do que aparece na televisão. Mas não de tudo! Só o mais fácil...”
Sabemos disso. Teatro no interior só lota hoje com as faceirices das “meninas” do pastoril profano ou qualquer besteirol desses. Nada contra, mas minha praia é outra. Gosto do teatro mais sisudo e comprometido com o mínimo de decência artística. O tal teatro engajado, já perdeu o trem faz tempo. Mas não quero contribuir para maior desmoralização da arte dramática, por isso recusei proposta de um companheiro para dirigir espetáculo cujo título é “Se minha xoxota falasse...”. Poderia até render uns caraminguás, mas quem ganha dinheiro com xereca é meretriz.
Sem querer entrar nesse assunto da decadência do teatro paraibano, que coincidiu, ou não, com o desmonte das estruturas do teatro amador, não desejo também criticar os espetáculos de apelo popular, montados apenas para se ganhar dinheiro. Cada um tem sua filosofia de vida e seu jeito de encarar as coisas. O que quero anunciar é o desejo de remontar uma peça minha, por razões de frustração. Explico: tentei montar esse espetáculo há dois anos, mas o elenco se dissolveu por causa de um diretor medíocre metido a gênio. Esse cara convidou alguns canastrões e produziu de forma canhestra o espetáculo, para vergonha de todos nós engajados no projeto anterior. Felizmente só conseguiram duas apresentações: uma no Teatro Lima Penante e outra em festival de amadores no Teatro Santa Roza. Fiquei com esse procedimento desairoso atravessado na garganta.
A peça não tem nada do que o público quer ver: humor, intensa movimentação cênica, dança insinuante embalada por piadas pornográficas, diálogos ágeis cheios de libidinagem. O cenário e a música são pesados, tristes, escuros. Os diálogos refletem a ousadia da poesia hermética de Augusto dos Anjos sobre a natureza do homem. O surrealismo das cenas explorando o inconsciente, o sonho, a loucura. É assim a peça “O banquete final”, que pretendo montar com os atores do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana.
Na plateia, espero contar com cerca de 40 pessoas convidadas, para homenagear meus 40 anos de jornalismo. Uma deferência que faço a mim mesmo, egocêntrico que sou desde menino. O número cabalístico 40 é justamente a lotação do micro-auditório do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, local da apresentação da peça em data a depender do êxito de empreendimento tão temerário e imprudente.
Seria almejar demais ter o próprio Elpídio Navarro na direção, devido à sua disposição de não mais voltar à cena. O certo é que tenho meia dúzia de atores regulares no GETI que topam a tarefa de montar uma peça difícil. Podemos nos dar ao luxo de fazer uma peça que ninguém vai assistir, além dos 40 convidados especiais. Mas isso já lota o auditório na noite de estréia. Quer mais o quê?