Engolindo um Tostão

Leio a história de um garoto de 09 anos de idade que engoliu um caroço de laranja. Apavorado, pergunta à sua avó se algum mal poderia acontecer com ele, obtendo como resposta que iria nascer na barriga dele um pé de laranja. O menino, depois de correr até a laranjeira, para examinar o tamanho da árvore, resolve perguntar a uma tia se ele teria algum problema com o caroço engolido. Uma árvore nascendo em sua barriga, por exemplo! A tia, achando muita graça, diz a ele que não vai acontecer nenhum mal e “que todo mundo de vez em quando engole um caroço”.

Logo me recordo, também por volta dessa idade de 09 anos, de que engolira uma moeda de 01 centavo, na época chamava-se tostão, com a imagem do Presidente Getúlio Vargas, em um dos lados. O susto foi enorme e passei bem uns três meses imaginando a minha morte e perguntando a todos meus colegas de colégio se já haviam igualmente engolido uma moeda. Nenhum, para minha tristeza! E já começava a me sentir diferente de toda a humanidade, o que me criava talvez o meu primeiro problema existencial, deveras marcante. Tive um certo alívio, ao saber que um outro coleguinha havia engolido três bolas de bilhas, grandes e pesadas. Quis logo saber como ele resolveu a questão. Simples, me disse: “falei com minha mãe e ela recomendou que eu passasse a comer purê de batata, fazendo o cocô no penico, para verificar a saída das bolas de bilha, bem pesadas, por sinal.” Três ou quatro dias depois, se me lembro bem, o meu amiguinho “devolveu” as bolas, que caíram “bonitinhas”, com algum estrondo, no penico .

Mas o meu grande problema é que não tinha tido a coragem de contar o ocorrido para minha mãe, que, alías, só começa a ter conhecimento de minhas “estripulias” de infância, através de minhas crônicas, com pelo menos 50 anos de atraso. É possível que ela se recorde de um tempo em que comecei a exigir, no almoço e no jantar, um prato cheio de purê, embora tenha estranhado muito, já que até então detestava batatas.

Escondido, dentro do banheiro, fazia minha pesquisa diária nas minhas fezes, sem nunca ter achado a “danada” da moeda e o tempo acabou por curar-me dessa minha primeiríssima angústia existencial, continuando vivo, tão vivo, que estou a contar este pequenino drama.

O sofrimento psicológico foi grande e algumas vezes, já adulto, imaginava se aquela moeda não estaria presa no meu pulmão. Temor exagerado, evidente, pois nas dezenas de vezes que me radiografaram o pulmão, para outros fins, a tal moedinha, se lá estivesse, teria aparecido, inevitavelmente, nas radiografias.

Ah!, como seria bom se a vida se resumisse nessas engolidas de pequenas moedas. No entanto, passei a notar que elas aumentam muito de tamanho, depois que crescemos.

Quantas moedas não engolimos, depois da infância? Quantas conseguimos, de um modo ou de outro, expelir? O mundo, a vida nos faz engolir “moedas enormes”, maiores que a de um real e, agora, elas não se instalam mais no corpo, que um pouco de batata botaria pra fora em dois tempos, esses corpos estranhos. Não, elas teimam em grudar na alma e parecem não querer sair mais. E aí não adianta mais se empanturrar de batatas e tão pouco “pedir penico”, pois pouquíssimas pessoas nos entenderiam. E, como eternos alunos da vida, somos forçados a aprender outros truques, outros segredos. E o maior segredo, sem dúvida, é saber conviver com todas essas moedas, grandes ou pequenas, não mais querendo expulsá-las do nosso espírito, por ser isso impossível, mas transformando-as, como um alquimista, em duras e importantes lições de vida, se pretendemos continuar a viver...