Dores Requentadas.
Remexo no baú de memórias, aréa de sonhos não realizados e dores já frias.
Lembranças requentadas pelo tempo, que ainda fazem arrepiar o sentimento já contido/ armazenado e até meio empoeirado, dores
espalhadas pelas prateleiras do destino ( cruel algoz ou fiel escudeiro).
O mais engraçado ( se é que existe alguma graça) é ser possível
poder sentir novamente e de forma tão desconcertante e intensa o que foi vivenciado.
O toque, o som do silêncio, a cor dos sorrisos, o arrepio da voz e da vez de se desejar e poder tocar e até a dor do fim. Tudo pode ser revivido/ remexido/ revirado, e o que é pior: nada pode ser retocado/ tocado/ trocado. A dor continua muda/ calada/ estrangulada na garganta.
A dor que é latente/ latejante, tal qual gozo apressado, ricocheteando nas coxas .
Não. Não podemos modificar a dor, mas podemos sentí-la novamente .
Abrimos uma brecha na lembrança que não sei se tenho inteira ou se a perdi por completo ( jamais sabrei)e como mágica, pó de pirlimpimpim, posso mesmo sem querer voltar ao exato e derradeiro momento da partida.
Ida sem volta.
Tempo sem conjugação no agora, presente e muito menos futuro.
Verbo morto/calado/ inerte/ morno ( é estranho mais não esfria para sempre).
Ação parada nas fotos amareladas/desbotadas. Sem ação ou reação.
Mas é possível retomar a lembrança ainda embrulhada em um papel celofane colorido ( contrastando com a total ausência de cores), alojada em uma gaveta do arquivo da memória para ser facilmente encontrada e nem tão facilmente esquecida.
O sentimento de vazio se mistura com saudade indescritível.
O baú finge que se fecha, mas a certeza fica: poderia ter sido tão bom...
... se tivesse sido.
Márcia Barcelos.
junho de 1992.