O velório na velha Itabira
Segundo relatos dos antigos da minha família, o velório em Itabira era um momento de muita tristeza e respeito. Quando algum membro da família ou amigo falecia, a consternação era geral. Assim que a notícia se espalhava, vizinhos, parentes e amigos dirigiam-se à casa do morto para prestar-lhe as últimas homenagens.
A família providenciava um grande banquete para os visitantes, com a colaboração da vizinhança. A comida era farta. O café era regado com bolo de fubá, rosquinhas, broa e biscoito de polvilho.
O corpo ficava exposto na sala principal em cima de um tablado, coberto por um lençol branco. Velas de cera de abelha esquadrilhavam todo o esquife.
As pessoas que desejavam ver o rosto do falecido levantavam a ponta do lençol e faziam o sinal da cruz, acompanhado de lamentos. O caixão era feito de madeira, revestido de pano preto para pessoas casadas, roxo para homens solteiros e de pano branco para virgens e crianças.
Havia na cidade uma equipe de rezadeiras e carpideiras cuja presença era marcante durante todo o velório. Era tradição entoar as “excelências”, cantigas acompanhadas de instrumentos para homenagear o falecido. Cantavam-”se várias vezes: - ‘‘Rogai por essa pobre alma, tenha dela compaixão”. E todos respondiam: - “assim seja”.
Outra “excelência” muito usada era a seguinte: - “Pela santa cruz, que a virgem Maria lhe entregue a sua luz”, e todos respondiam: - “Assim seja”. Rezas como o terço, o credo, o oficio de Nossa Senhora, ladainhas de todos os Santos não faltavam durante o evento.
Quando os velórios se estendiam pela madrugada, as pessoas faziam questão de contar histórias exaltando o falecido. Era tanto o respeito com o morto que o distinto tornava-se santo de uma hora para outra, mesmo que tivesse levado uma vida profana e depravada. Não faltavam também a cachaça, as piadas e casos assombrosos.
Até o inicio do século XX em Itabira era tradição que os enterros (ou enterramento - como era chamado) fossem realizados no início da noite. Após todo o ritual realizado na casa do defunto, a Igreja providenciava a cerimônia de exéquias do cristão.
O cortejo seguia para a Igreja em procissão sendo recebido ao som dos sinos, que tinham linguagem própria para cada defunto. Conforme a posição social as badaladas eram mais fortes e solenes. No enterro de crianças (anjinhos como eram chamadas) as badaladas eram suaves. Quando o enterro era de pessoa pobre, sem destaque, o som era baixo. Quase ninguém percebia.
O defunto que vinha da zona rural era carregado em uma padiola (dois pedaços de madeira preso em um lençol) até a cidade e transferido para um caixão feito sob encomenda. Muitos atribuem o nome de Beco do Caixão a uma Rua que liga a Tiradentes com Irmãos D´Caux, por ser ali o local onde as padiolas eram jogadas.
Interessante também era o tempo da cerimônia. A queima do incenso acontecia de acordo com importância do defunto e de sua família na sociedade. Caso o defunto pertencesse uma irmandade, tinha privilégio especial na cerimônia e local de sepultamento. Muitos por pertencerem a irmandades religiosas eram sepultados dentro dos templos ou em locais especiais nos cemitérios. Após a cerimônia de encomendação realizado no interior da Igreja, todas as pessoas ali presentes, recebiam uma vela, e tochas de bambus. Daí seguia em procissão até o cemitério sob os acordes, ou da Banda Euterpe ou Santa Cecília, que entoavam marchas fúnebres durante todo o cortejo. Isto, caso o defunto fosse pessoa de destaque na cidade.
Como a maioria das igrejas tinha seu cemitério, os sinos continuavam a tocar até que os caixões baixassem à sepultura. Durante os trinta dias após o sepultamento, toda a família do falecido vestia roupas pretas. O luto era obrigatório, exigência da Santa Madre Igreja. Por isso, era comum ver mulheres de vestido preto nas celebrações de domingo. Aquela que optasse por não casar, usava o luto pelo resto de sua vida.
As famílias que ficavam em dificuldade eram amparadas pela Igreja, pelos parentes, alguns vizinhos, políticos ou pela própria Prefeitura.