Cinema da Carochinha
Cinema da Carochinha
Era uma vez, há muitos e muitos anos atrás, um vilarejo bem pequenino chamado Balneário Atlântico, situado muito distante da Corte, pertinho do mar. Nos meses de inverno eram raros os casebres habitados pelos humildes moradores locais, carinhosamente apelidados de ‘marisqueiros’. Já nos agradáveis meses de verão tudo no longínquo recanto do reino se transformava... como que por mágica.
Ah, o verão naquele encantador vilarejo! Trazia consigo belezas e veranistas de todo o reino. As residências de temporada transbordavam alegria e entusiasmo com o frescor do mar. O fascínio do vilarejo atraia ainda viajantes deslumbrados por tais lindezas. E para acolher tantos visitantes havia o formoso Hotel Mello, aconchegante e carinhoso com seus hóspedes. As atenciosas anfitriãs Dona Bela e Diva esmeravam-se para proporcionar inesquecíveis congraçamentos entre hóspedes, veranistas e os simpáticos marisqueiros. Refeições saborosas e bailes animados no Salão dos Janelões faziam o deleite de todos. Porém, os eventos mais aguardados eram as sessões de cinema orgulhosamente oferecidas, com preços módicos, pelos senhores Tico e Teco.
Um alto e magro, o outro mais baixo e rechonchudo, os senhores Tico e Teco chegavam de jipe ao Balneário Atlântico com filmes sensação do momento – momentos perdidos em décadas passadas. Mas isto era um mero detalhe. O que realmente contava, era o mistério envolto aos rituais de transformação do Salão dos Janelões numa confortável sala de cinema improvisada. Com um eterno cigarrinho de palha fincado no canto da boca o Sr. Tico, elegante em sua calça acinzentada e camisa branca semiaberta ao peito e punhos arregaçados, espichava com grande pompa um enorme lençol branco numa das paredes do salão. A plateia, já presente, vibrava. Alguns marisqueiros mais audaciosos ofereciam ajuda com prazer no próximo passo: espalhar farinha de trigo alva que encobria eventuais rasgões cerzidos, ou alguma mancha, na tela de projeção.
O auge da tensão culminava com o teste dos rolos de filme passando pelo projetor. Havia sempre a possibilidade daquela máquina de museu enguiçar... Passados os segundos agonizantes e o público aliviado ao ver os rolos encaixados e funcionando, tudo estava finalmente pronto! Bem acomodados nas cadeiras de madeira do salão a faceirice de todos traduzia-se num largo sorriso diante do título – O Dólar Furado.
*Este meu texto foi publicado no jornal Letras Santiaguenses, Ano 15, Num.86, Mar/Abr-2010, pág. 07.