Em nome dos bons costumes...
Novamente é sexta-feira. Noite de sexta-feira, ocasião de encontrar as amigas para nova reunião de não fazer nada, não comprometer-se com nada, não falar nada sério, não levar nada em conta, afinal é quase fim de semana, é preciso desopilar... tirar o estresse da semana. E é para isso que serve esse nosso encontro de não fazer nada. Penso, talvez resida aí o segredo desse grupo dar certo há mais de vinte anos. Reunir-se com a seriedade e a responsabilidade, de não levar nada a sério em nossos encontros.
Aliás, o maior compromisso é esse, relax... E, muito embora seja mesmo, relaxante, com assuntos banais e descontraídos, há tanta cumplicidade subjetiva, que sabemos poder contar sempre umas com as outras e, isso nos impulsiona a enfrentar mais uma pesada semana na luta do dia a dia de mulher, mãe e profissional.
Na chegada a acolhida colorosa, olhares alegres pelo reencontro, abraços saudosos, com se uma semana fosse um tempo muito grande pra gente ficar sem se ver... o costumeiro chimarrão, o bate papo, depois o jantar e, dessa forma, sem nenhuma formalidade, a pauta vai tomando forma na informalidade do encontro. Na última sexta-feira, o assunto que permeou a pauta do início ao fim da noite, poderíamos designar: rememorações de histórias juvenis. Lembranças de um passado quase distante, que um saudosismo enfadonho insiste em trazer à tona.
Quantas festas? Quantos amores? Quem teve mais namorado? Quem beijou mais? Como eram vigiados os namoros? Quem casou virgem? Quem já traiu quem? E por aí vai... afinal, o tema ‘coisas do coração’, parece mesmo que tem começo, mas não tem fim... Não percebemos as horas passarem, cada uma com maior entusiasmo, fazendo suas aberturas de coração. Algumas sonhando, outras queixando-se, enfim todas ansiosas querendo partilhar suas histórias tão ricas e, tão pobres... tão ricas de preconceitos, vencidos ou não... tão pobres de oportunidades, de estudo, de trabalho... tão cheias de sonhos, feitos, desfeitos... tão vazias de amor próprio, de vontade própria, totalmente desprovidas de autonomia... histórias de mulheres-meninas de uma geração que sofridamente, enfrentou o período da ditadura fora e dentro de casa...
Pais que a todo custo, preocupados com a moral e os bons costumes nos tolheram de tantas emoções, tantas imposições absurdas, em nome do respeito, do machismo e do 'o que é que os outros vão dizer'... aos meninos toda conviniência, às meninas toda observância... tantos desejos reprimidos, tantos sonhos tolhidos... Quase aborrecidas tardiamente, nos damos conta de que muitas de nós, casaram-se muito jovens, algumas com o primeiro namorado, antes de completar vinte anos. Possivelmente, no afã do primeiro amor, mas certamente, também no desejo inconsciente de livrar-se do ‘cabresto’ de um pai severo e de uma mãe vigilante que a mando do pai, fazia-nos rezar sua cartilha de cabo a rabo.
De repente, o saudosismo cede espaço ao pé no chão e ao pisarmos na realidade, constatamos: as mulheres foram de um extremo ao outro. E isso as faz felizes? Hoje em nome do amor tudo é possível. Banalizou-se tanto, que não sabemos onde começa o desamor e onde de fato existe amor... Vivenciamos novamente uma situação conflitiva entre os costumes de diferentes gerações. Longe de generalizações, mas não podemos manter um olhar míope... atualmente uma considerável parcela da sociedade brasileira, formada por mulheres infelizes, sobrevive à base de antidepressivos, ansiolíticos e outros aditivos para dar conta da lógica do imediatismo, do hedonismo e, do ser feliz a qualquer preço... Assistindo a tudo isso, a nossa geração, que embora à duras penas e a seu modo, parece que amou, concluímos: a vida não poupa ninguém... Porém, é preciso reinventá-la para desfrutá-la com arte. E, enquanto não temos todas as receitas, quiçá todas as respostas, resta-nos rememorar... O beijo que não se deu... a valsa que não dançou... e o passo que não errou...