Eu e Eu Mesmo

Eu e Eu mesmo

O computador não reconhece a palavra lucubrações. Põe uma risca vermelha sob a palavra para me dizer que ela pode estar escrita errada ou, pior, pode nem existir. Ele, o computador, também não reconhece a palavra pior. Pior pra ele, porque essa palavra, assim como lucubrações, existe. Pior que existe!

Tenho muito que escrever porque tenho muito o que contar da minha andança por esse planeta. Está certo que nunca viajei assim tão longe e nem muitas vezes, mas não estou me referindo ao espaço geográfico. Estou apenas usando de uma metáfora. Minhas andanças são em sua maioria interna. Sempre estou procurando aspectos novos de mim mesmo. Muitos deles, de tão esquecidos no automático, nem são percebidos mais.

Aí alguém me pergunta: “ E pra que ficar se preocupando em se conhecer assim ou assado? De que vai adiantar? A vida é isso aqui. Trabalho e sobrevivência. Um pouco de circo nos campos do futebol e da política, umas cervejinhas nos finais de semana, um pouco de sexo e televisão. É isso aí”.

Observo esse alguém e sua opinião descolorida como observo os novos aspectos de mim mesmo: com curiosidade. Não deixa de ser interessante. Esse alguém faz parte de um grupo gigantesco de pessoas que já perderam a propriedade de um poder incalculável: o poder de transformar o mundo.

Acho difícil transformar o mundo, mas vou tentar mudar alguma coisa perto de mim, se conseguir, ótimo, senão, paciência. O que eu não posso é ficar aqui parado sem fazer nada. Não que acredite que eu seja algum enviado divino, nada disso, é que acho um saco uma vida sem aventuras. E como não posso sair por aí desbravando regiões inóspitas, salvando gente das guerras ou lutando contra algum ditador maluco, então eu invento um sonho... e ouso construí-lo.

Às vezes sinto saudades das montanhas. Do frio estendido fora dos nossos casacos, meias, gorros e luvas. Do aconchego junto ao fogão à lenha. Melhor ainda, do aconchego junto à fogueira com os amigos comendo batata doce e tocando violão. Cantoria de velhas e novas músicas. Lembranças cortadas por risadas gostosas soltas no ar. Os olhos vermelhos e ardentes fitando as labaredas e alguém nos contando histórias de assombração. A caminhada em grupo até o alto do morro para ver o sol nascer entre a neblina. O café de tropeiro fumegando na caneca, os pinhões vermelhos e graúdos fervendo na panela de ferro e a cachoeira desafiando os mais corajosos a mergulhar nas suas águas frias. Coisas das montanhas.

Hoje moro beirando a praia. É um bom lugar. Tem muita gente boa. Mas tem muita gente ruim também. A maioria está perdida. Assim como em todo lugar. Não sabem o que querem, não sabem o que fazem, não sabem para onde vão, não sabem em quê nem em quem acreditar, não têm mais certeza se Deus existe e não sabem para onde olhar. Mas são arrogantes nos julgamentos, condenam com facilidade, nunca perdoam e estão sempre pedindo coisas (invariavelmente para si mesmas).

Outros são como os santos. Quer dizer, como dizem que eram os santos. Pessoas sempre cordatas, sempre relevando os desmandos dos outros, sempre compreendendo tudo e todo mundo, sempre arrumando uma desculpa para os malvados, sempre aconselhando esquecer as injurias e a se esconder numa falsa humildade, como se ali ficassem mais seguros... sei lá. Isso não me parece santidade. Parece mais é conformismo medroso. Sei lá...

Uma minoria, como sementes raras em solo pobre, consegue se desconectar dessa hipocrisia e ser mais autêntica e especial.

Ando irritadiça. Não estou gostando desse meu modo de reagir ultimamente. Ando xingando as coisas à toa. Tô pegando mal comigo. Vou fazer uma faxina no departamento psicológico, talvez algumas energias contrárias tenham se instalado ali, já que na minha vida espiritual elas não têm acesso.

Hoje acordei cheia de energia. Sonhei com dinossauros, muitos dinossauros. Brincavam numa praia grande de areia branca e fina. Eram enormes, mas comportavam-se como qualquer criança envolvida numa brincadeira. Acima deles uma nuvem enorme e negra afastava-se devagar. Em volta dessa nuvem um brilho intenso do sol prestes a surgir. E eu dizia: olhem o sol. A nuvem está indo embora, olhem que sol!