Narrativas de vida quase real
Horário de pico - 18:30h, quinta-feira, 24 de maio, Santos - Estou de pé no ônibus que me deixará na divisa de São Vicente. Como esses ônibus intermunicipais são sofríveis. Minha mochila deve estar pesando uns 10 quilos neste momento, igual a do PVC. Estou cansada e com fome e por isso, não quero papo.
- Faz tempo que você pegou o ônibus?
- Não muito
- Nossa, tá cheio, né?
- É
- Mas você entrou nesse ponto?
- Não. Três pontos atrás.
- ahhhhhhh tá!
- Nossa, seis e pouco. Não é fácil viu. Eu trabalho o dia todo. Cuido de um velhinho de 87 anos. Ele é policial aposentado. Teimoooooooooso! Ele tem Alzheimer. Hoje eu subi para arrumar os quartos e deixei ele lá embaixo na cozinha. Aí ele subiu e falou: "Olha, essa casa não é sua pra você ficar mandando, não". É muito humilhação né?
- É
- Esses dias ele queria ir no banco. Cismou que o banco ficava na Francisco Glicério. Eu deixei, até ele cansar. Não posso pegar no braço dele, sabe? Tenho que deixar a mente dele ir até onde dé.
- Ele mora sozinho?
- Não. Tem uma velha chata e amarguraaaaaada!
- Ah
- Olha o que eu tenho que aturar! E sabe quanto eu ganho? 500 reis! Na verdade, juntando com a condução dá uns setecentos e pouco. Eu sou auxiliar de enfermagem. Tem gente que eu conheço que ganha mil reais e nem fez o curso. Eu trabalho das 9 às 18 e sábado também. Nossa... só pobrema!
Agora eu tô achando que a filha deles quer me mandar embora. Andei ouvindo umas coisas, sabe? Eles mal sabem que é um favor que eles me fazem. Ah, eu livre disso tudo. É muito humilhação.
- É mesmo
- Olha, eu tenho uma pessoa, sabe? Você chega em casa e nem recebe um carinho. Mas a gente se entende até. Ele fica na dele e eu fico na minha. Mas agora eu vou ter uma recompensa.
- Ah é?
- Éhhh! Um jogador aposentado do Benfica, de 50 anos quer que eu vá para Portugal. A gente se fala pelo MSN
- É mesmo? Que legal!
Dou sinal. Chegou meu ponto.
- Olha, boa sorte pra senhora, viu!
Ela coloca a mão no meu ombro e diz animada:
- Obrigada! E dá um sorriso de satisfação