ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU!
Sempre achei que nasci em época errada. Pouco antes dos dezoito, acabando a ditadura, fim da era Geisel e um Abreu ariano e rebelde, com a testosterona injetada nos olhos, desembarcou em Salvador para o que desse e viesse. E nada. Acabou. Mal um quebra-quebra de ônibus. E realmente fiquei perdido. E vejam que passei parte da minha puberdade lendo os principais livros contra a ditadura e não via o momento de ser cooptado pela guerrilha. Ficava a me imaginar fazendo parte da ativa, a irreverência e o anarquismo escrachado pulsando continuamente nas ingênuas veias. Aos poucos as coisas foram se acalmando, a anistia ampla, geral e irrestrita a trazer de volta nossos representantes da esquerda, a democracia se instalando e assim, fui direcionando minha adrenalina para outros valores.
Jogador bom de bola, poderia ter seguido carreira, pois nessa mesma época em que aqui cheguei, batia baba nos finais de semana com Bebeto, futuro ídolo do vitória e flamengo, além de muitos outros valores presentes. Mas, como conciliar o Porto, o Farol da Barra, Barravento, Hipopótamus, Close-up, Maria Fumaça e as tão propaladas festas nas faculdades com trabalho duro em todos os finais de semana? Desisti. Além do mais, naquela época não existia estrutura alguma e o jogador era sempre relegado para segundo plano. Para piorar, tinha começado a fumar e beber e nada existia de melhor que a vida noturna da capital da magia, eu recém saído de um interior conservador, com pouco mais de vinte mil habitantes e pouco espaço para as curtições inerentes a idade. Se não fui guerrilheiro e nem jogador profissional, o jeito foi arranjar emprego para sobreviver.
Mas, a bem da verdade, queria mesmo ter sido contemporâneo de Osmar. Aquele, o de Dodô! Assistindo uma reportagem na TVE sobre os sessenta anos do trio, invadiu-me uma satisfação nostálgica ao saber que fiz parte de toda aquela efervescência, tendo participando de todos os encontros de trios na Praça Castro Alves, quando ainda não existia o circuito Barra Ondina, tampouco cordas e abadás. E ali, final dos anos 1970, início dos anos 1980, interagíamos com Moraes Moreira, a primeira voz de um trio e seu antológico Pombo Correio; Caetano Veloso com “Atrás do Trio Elétrico” e “Chuva, Suor e Cerveja”; Novos Baianos com Pepeu Gomes e seus solos de guitarra e Baby Consuelo e sua doce voz a interpretar “Brasileirinho”; Armandinho, ainda garoto, em desafios de cavaquinho com o saudoso pai, onde os trios eram reduzidos em tamanho e o som, diminuto, saído de cornetas, aos poucos amplificados, chegando a essa perfeição que vemos nos dias de hoje. A mistura do frevo pernambucano com o ritmo baiano e seus paus elétricos criou essa monstruosidade que é o carnaval. Indescritível!
Muitas pessoas fazem das férias, valores. Para mim, nada existe a energizar o viver, dando-me ânimo a cada ano, embevecendo meu sentir, que o carnaval. Durmo pouco mais de quatro horas por dia, em seis dias consecutivos que só quem me acompanha sabe do ritmo frenético que é tudo isso. Valdenio, poeta amigo, tão satisfeito ficou que mais uma vez saiu lá de Palmas, Tocantins, e já se instalou no Marazul Hotel, lá na Barra, na porta de entrada da folia, a não perder um minuto sequer dessa maravilhosa festa. E lembrar que carnaval é puro entretenimento a marcar para sempre o momento vivido. E afirmo-lhes: muito da música baiana voltada para o evento pode não possuir letra – envolvendo mais pelo ritmo –, mas quem sai de outras regiões do país e até do exterior a curtir o carnaval de Salvador, sabe do que estou falando. Em qualquer época futura, quando ouvir os acordes iniciais daquelas músicas curtidas naquele momento único, estará a relembrar cada sentir, a suspirar em prazer, olhos cerrados, a viajar em ternas lembranças. Como disse: indescritível!
Ouçam: “Chame Gente”, hino do carnaval da Bahia, na voz do nosso Moraes Moreira. Axé!