AMANTE DA INSONIA

Recentemente fui acusado de não ser brasileiro porque disse numa revista que odeio dormir. Não sei o que isso significa, ser brasileiro o sinônimo de dorminhoco. Fico pensando o que me faz um brasileiro pra eu me aborrecer tanto em não ser. Talvez o fato de haver morado em quatros das cinco regiões brasileiras, ter os traços físicos típicos de um mestiço, nem branco, nem negro nem índio, e sim os três reunidos, medida de qualquer lugar. O interessante que vamos adquirindo os sotaques locais de uma forma que quando notamos não sabemos mais de onde somos. Acho bom perder a identidade, misturar as culinárias junto com as palavras. Fazer um arroz com raízes, mistura de inhame com Romeu e Julieta temperado com feijão tropeiro e muito gengibre, vinagrete e orégano. Quando estava no Rio grande do Sul era chamado de mineiro, quando em minas de goiano, quando no distrito federal de piauiense, em são Luis de paraense, no Pará não fui, no Paraná de paraguaio, em são Paulo de Paraíba e no Rio de Janeiro de baiano. Sou carioca, acho, mas torço pro Fluminense, agora não mais. Em qualquer lugar que me encontrarem observarão que não tenho nada de carioca além do fato de haver nascido com todas as memórias da infância infeliz, as lembranças de correr pelas praias, o peso das caixas de picolés e balas nos trens urbanos, a correria quando o rapa vinha antes da central do Brasil, as diretas já, as passeatas contra a ditadura, no anonimato do olhar infantil as violências das ruas. Não sou cigano, mas me encaixaria bem na cultura dos povos sem pátria, vagando sem rumo, sem fixar verdadeiramente em nenhum lugar, ser do mundo. Palavra que sempre me encantou. Muito mais do que ser brasileiro a humanidade primeiro. Talvez acusado de não ser assim tão nacionalista, defendendo idéias equivocadas sobre o que deve ser uma nação que na pratica rompe com qualquer tipo de definição. Mas, ser acusado de não ser brasileiro por preferir a insônia, não concordo. Nem torço pra seleção argentina. Mas conheço muita gente que torce e deseja vê-la campeã mundial numa final contra o Brasil. Nesse clima de copa o sentimento do que é ser brasileiro aflora. Tudo mundo sabe o que é ser brasileiro além de com muito orgulho e muito amor. E por saber, acredita que outros não sabem também como ele sabe ser. Assim muitos brasileiros mostram a todos como se comportarem diante do momento quando a gloria da nação é anunciada. Enfeita a rua, o corpo, a casa. Verde e amarelo em todos os lugares. Chama esse fenômeno de síndrome de copa do mundo, numa repetição ilusória da sociedade de quatro em quatro anos. Depois desse período mágico fica sublimado a identidade nacional, esquecido nos confins da memória qualquer significação. Torcer pra vitoria de um selecionado medíocre exercer um poder maior que a construção da cidadania. Antes que questione também se torço pra vitoria de um hexacampeonato digo que sim, evidente, amo futebol. Apenas fico triste que o sonho de ascensão social seja pelo caminho fácil dos empresários do futebol e que milhões de atletas de fim de semana transfira seus desejos pessoais sublimados em jogadores que não estão dando a mínima além do que podem lucrar depois com patrocínios uma conquista vitoriosa. O Brasil somente grande não pela educação, valor da sua cultura, inteligência de seu povo, mas pelo talento que possui com o físico no domínio da bola. Realmente deixei de sonhar a muito tempo. Mas a insônia que falo não é da falta de sonhos, mas de não dormir mesmo. Três, quatro, cinco dias sem pregar o olho. Bastante diriam. Mas eu gosto como gosto também de ser chamado de brasileiro. Por conhecê-lo de ponta a ponta através das estradas e das lutas sociais. Não é justificativa única que me deixa feliz com minha identidade nacional, mas não ser alguém por uma questão de escolha de habito de vida foi a que achei mais rápida para poder discordar de um perfil que não aceito. Sou brasileiro, acho, mas se o fato de não dormir me faça menos brasileiro isso não me autoriza a torcer pra argentina. Rumo ao hexa Brasil.

SB Sousa
Enviado por SB Sousa em 07/06/2010
Código do texto: T2304454
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.