Na sordidez de um boteco

Boteco chinfrim aquele.

Mesas e cadeiras enferrujadas misturadas a um monte de engradados de cerveja encostados num canto.

No balcão, uma pequena vitrine com três coxinhas de galinha de anteontem. Dava para sentir quão frias e geladas estavam, já que o ambiente de quente só tinha a cachaça.

Nada ali lembrava a elegância e o charme do botequim da praia de onde eu tinha saído, e enchido a cara cheia dos números da reunião de negócio.

O pneu do carro havia estourado, e a barriga arrebentando da farta comida do almoço. Tinha que botar para fora.

Antes de entrar já tinha chamado o hugo junto ao pé da árvore na calçada.Mas por um acidente do destino estava ali.

A cabeça confusa não conseguia distinguir a diferença entre aquele lugar e qualquer outro boteco da moda de Ipanema.

Estava à procura de um sonrisal que fosse, e um copo d’água que fizesse o pozinho borbulhar.

Logo que entrei vi na prateleira aquilo que buscava. A estante mais parecia um balcão de farmácia: engov, eno, leite de magnésia, aspirina. Até uma réstia de camisinhas desbotadas tinha.

O olhar delirante passou batido em direção ao banheiro. Tinha que dar uma cagada e colocar para fora aquilo que me confundia o estômago.

A porta sem tranca mostrava o vaso sanitário todo respingado de merda, e as paredes repletas de inscrições, todas banais, de baixo calão.

Nessas horas a gente não consegue perceber a higiene. É a necessidade, o sufoco, o aperto da barriga, ou da bexiga querendo urinar.

O primeiro movimento saiu pela boca. Um vômito meio esverdeado de um fígado cambaleante. Depois veio o bolo de mignon digerido com vinho, uma merda fedida, mole e nojenta.

A entrada, no que passei pelo balcão até chegar ao quartinho pedi ao dono do estabelecimento alguma coisa que parecesse papel.

Nem precisava ser macio como a neve, bastava apenas que cumprisse a função. Quando moleque pobre de subúrbio cansei de usar a folha do caderno da escola, aplicando a técnica de amassar antes. Passei no cú a tinta do jornal com a notícia da sacanagem dos caras com a flotilha da liberdade. Não sei por que, mas o nojo que sentia pelo noticiário era maior do que o que senti pelo vaso sanitário

Com o rabo velho limpo fui logo procurando pela descarga. Não queria deixar nenhum vestígio da minha passagem por ali. O dono do boteco respondeu ao meu grito dizendo que mais tarde jogaria uma lata d’água para limpar a fedentina.

Estava me sentindo um sórdido bebum, caído na sarjeta, envolto em cheiros e perfumes os mais desagradáveis, percebendo naquele momento a miséria de qualquer cachaceiro de rua.

Mas me senti satisfeito ao completar aquilo que fora fazer ali.

Depois do copo de água borbulhante com aquele santo remédio fui aos poucos voltando a normalidade, louco de vontade de beber uma gelada. Pedi uma que, não vou negar, desceu redonda como o slogan que a propaganda lhe deu.

Com a cabeça no lugar tive a idéia de retribuir o favor, como se não fosse uma obrigação da lei manter um bar com um banheiro decente.

Do sujeito atrás do balcão ouvi a resposta que lhe pagasse apenas o que devia. Na certa eu não era o primeiro a derramar o porre pelo seu chão, ressaqueado.

Mas como não sou daqueles que se submete a trama insisti, perguntando o que havia para comer, além das defuntas coxinhas.

Veio a surpresa. O cara me trouxe um prato de um suculento mocotó, repleto do que sobrara do almoço, acompanhado por uma garrafa de farinha, o qual derrubei na hora.

Divina comida! As colheradas quentes aquecidas pelas gotas do molho ardido de pimenta foram descendo, e se acomodando como uma luva em cada tripa da minha barriga.

Bem, para não ficar encompridando a história digo que paguei a conta antes de repetir, bebendo o último copo de cerveja, a terceira garrafa que eu matava, intimo do lugar.

Ainda no táxi senti de novo a sensação, a revolução, desta vez causada pelo mocotó barato de um boteco vulgar.

Mas ai, Inês já estava morta, e eu envolvido no conforto do meu apartamento, pijama trocado e a certeza de que o guincho da seguradora tinha deixado o carro na garagem.

CHEF BYRA DI OLIVEIRA
Enviado por CHEF BYRA DI OLIVEIRA em 06/06/2010
Código do texto: T2303869
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.