Estranhos
Sabia tudo sobre ele. Conhecia todas as suas manias: qual lado da gaveta as cuecas deveriam ficar, as camisas preferidas, o perfume predileto, a marca do sabonete, o ponto correto do bife, o arroz que não podia ser muito seco, o lugar da sua faca de churrasco, onde colocar as contas do mês que chegavam pelo correio. Sistemático em tudo, não admitia que nada saísse do lugar – chegou a brigar com ela porque trocou o lugar dos lenços, colocando-os na gaveta da cômoda e não no criado mudo, como era de costume.
Ele também sabia tudo sobre ela, pelo menos era o que pensava. Na sua avaliação, ela era muito sentimental, – “água com açúcar”, como sempre dizia. Gostava dos livros, principalmente dos romances. Amava receber flores e se alegrava facilmente quando ia ao Shopping – olhar vitrines era o bastante. Não precisava de muita coisa, um pouco de atenção já era o suficiente para satisfazer-lhe a alma.
– “Muito emotiva, chora por qualquer coisa” – pensava ele.
Conheceram-se ainda na adolescência, as famílias eram amigas, e acabaram se casando, tinham tudo para ser felizes, mas não eram.
– “Eu sei como ela é” – dizia ele.
– “Eu conheço esse homem” – argumentava ela.
Infelizes, eram como dois estranhos, gente que se conhece por fora, que não compartilha a alma e não sabe quem mora lá dentro. Gente sozinha, sem comunhão de sentimentos, sem a cumplicidade que dá sabor à vida.