Conforme e consoante
Sábado é aquele dia em que carrego o fardo das compras. A vida é feita de actos triviais e uma vez mais encontro-me na caixa do supermercado, onde, faz, exactamente, uma semana, um homem com um carrinho apinhado de compras defendia a sua tese de que a fila para o pagamento era única.
Em sã consciência, até concordo com o indivíduo em causa. Não fora o facto de nunca ter sido essa a regra do supermercado e muito pelo contrário sempre se formarem duas ou mais filas,completamente distintas, conforme o número de caixas que estejam em funcionamento.
O anónimo chegou junto às caixas ao mesmo tempo do que uma senhora de idade já avançada, de aspecto humilde, com ar de reformada e de parcos recursos.
A senhora colocou-se atrás de mim e aí começaram os insultos gratuitos. O homem bem apessoado, na casa dos 40 anos, repito, com o carrinho apinhado de compras acusou a idosa de ser velha e espertinha e lá foi vociferando um inúmero rol de indelicadezas perante o ar incrédulo e amorfo com que a restante clientela reagiu ao sucedido.
Entretanto, conseguiu que a senhora passasse para trás dele e ainda assim continuou acusando a senhora de ser uma oportunista.
A funcionária responsável compareceu ao local por força de todo aquele alarido e deu razão ao indivíduo.
Chegada a minha vez de pagar as compras perguntei à funcionária da caixa por que razão não existia uma informação sobre as caixas a dizer "fila única", já o indivíduo havia saído com o carrinho das compras e esta respondeu-me com o ar mais natural possível:
- Não existe porque não é fila única, apenas não quizemos criar problemas.
Eu olhei para ela e respondi:
- Nesse caso, é conforme e consoante!
A funcionária perguntou-me o que eu queria dizer com isso e eu respondi:
- Para a semana, antes de me dirigir à caixa, devo ver que tipo de pessoas é que se encontram nas filas, o que eu quero dizer, menina, é que o atendimento está condicionado ao extracto social dos clientes. E sabe o que é mais lamentável, no meio disto tudo?
- É vocês ganharem tão pouco e nem sequer saberem se quando tiverem a idade desta senhora, se terão direito à mísera reforma que ela tem!
A funcionária respondeu-me:
- Desculpe, não entendi!
E eu respondi-lhe:
- Calculei que não!