Um cabra safado

Veio do nordeste, como tantos, procurar uma vida melhor.

Aqui não tem vida melhor. Tem água, de péssima qualidade, com cloro até dizer chega, passando por tubulações que volta e meia sofrem com o vazamento da rede de esgoto.

No começo, morou no Esqueleto, construção antiga e abandonada. Trabalhava como ajudante de pedreiro e assim permaneceu ano e meio, até que o governador transferiu todos para uma vila, distante. O Esqueleto é hoje a Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O governador era Carlos Lacerda, talvez o político mais polêmico do país.

Não foi morar em Vila Kennedy. Preferiu a Mangueira, sala que servia de quarto, banheiro e cozinha, construção em alvenaria, feita por ele mesmo.

Não estava satisfeito, mas também queria subir na vida. “Sou branco e estudo”, pensava ele. E daí? O Rio está cheio de brancos, branquíssimos, branquíssimos com diploma e sem subir na vida.

Já não era mais ajudante. Fez um teste e deixou espantados os que o viram assentando azulejos. Havia treinado muito, num muro velho, onde aplicava massa fraca, pouco cimento e muito barro, para facilitar a retirada depois e iniciar tudo de novo.

Tinha dois amigos, peladeiros e apreciadores duma cerveja acompanhada de azeitonas e uns martelos de cachaça. Igualmente nordestinos, aos domingos faziam um churrasco de carne-de-sol que perfumava as redondezas.

Tinha o bom hábito de convidar os vizinhos, um de cada vez. Certa manhã, quando preparava a churrasqueira de metal, ouviu uma voz grave. “Ô Luiz, não vai me convidar não?” Virou-se e viu. Era ele, o Coisa Preta, chefe do tráfico local, cujo nome era Dirceu Soares. Cabeça a premio. Tanto a tiragem, nome que os vagabundos dão aos policiais, quanto aos meganhas, idem, que são os soldados da Polícia Militar.

Convidou de pronto o chefão e logo se tornaram amigos. Em pouco tempo, era homem de confiança, conhecia números bem, estava sendo distinguido no curso que estava por terminar.

Deixou o antigo emprego, ou melhor, foi aposentado pelo INSS por motivo de ser atingido por uma facada, numa briga que entrou para separar os contendores.

Com a morte de Coisa Preta, ocupa hoje o lugar do chefão todo poderoso, continuando a fazer churrascos com os amigos e convidados.

Ficou muito rico e com prestígio que nunca imaginou ter.

Não imagina que seus dias estão contados.

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 05/06/2010
Código do texto: T2301164
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