Ana Alice

ANA ALICE

(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)

Ana Alice, após muito pensar, decidiu sair por quatro dias rumo à uma pousada em Ubatuba. Precisava elencar as suas idéias. Tudo estava muito confuso. Aos 42 anos, uma boa vivência, mas uma ânsia muito grande em viver mais, com mais qualidade. Passou a sua vida inteira envolta com algum tipo de amor (ou paixão, ou amizade, ou tesão? ela não sabia). Envolveu-se com homens bonitos, feios, interessantes, outros desinteressantes, mas de nada se arrependeu, pois sempre acreditou que era preciso “juntar-se” para crescer. E sempre se juntou por afinidade, por algum tipo de afinidade.

Naquele dia, o sol estava se pondo e ela decidiu namorar a natureza. Sentou-se na areia e começou a reviver os seus amores: o primeiro, chamado José Felipe, tão lindo, tão educado, mas tão “galinha”, a ponto de ter terminado com ela mais de 20 anos depois , “sob pressão”. No meio algumas paixões: um namorado que já havia morrido, Sérgio, e outro que não era bem um namorado, Manoel, e sim um companheiro de noites infindáveis de conversa.

Casou-se tarde, “para sempre”, com Joseph. Sua mãe, Maria Rosa, orgulhosa, cedeu sua casa para a cerimônia no civil. Ana Alice nunca se viu vestida de noiva.

O casamento foi o contraponto entre o amor e o ódio, algo um tanto indescritível que só foi entendido muitos anos depois. Mas Ana Alice não se deixou levar pelo desespero e, muito menos, pelo fracasso (muito embora, em alguns momentos, se sentisse fracassada).

Depois veio outro, alto, forte, inteligentíssimo, chamado Orlando – uma simbiose fantástica. Muito aprendizado, muito sexo interessante. Mas faltava algo ... ele era do “verde” e ela do “asfalto”. Os dois não aguentaram muito e a relação se esvaiu com o vento.

Nesse momento, uma onda molhou os seus pés e ela, de sobressalto, percebeu que estava ali em função do último fim, dessa vez com Renan, e ocorrido de uma forma muito frágil.

Perguntou para si mesma se uma mulher não pode cometer erros. Se uma mulher não pode ter idéias próprias. Se um homem pode mostrar a sua cara depois de três anos de convivência e terminar tudo jogando a chave do apartamento no vidro da entrada do edifício.

Tudo aquilo doía demais, pois ele era o homem da sua vida, tinha sido o escolhido para compartilhar com ela a velhice, os anseios, os filmes, as inovações tecnológicas. Foi por ele que ela lutou o que jamais imaginaria e aceitou inúmeras diferenças, por acreditar que estava ali o seu companheiro. Ele era jovem, assim como ela, mas irredutível em determinadas situações. Ana Alice era difícil, puxara pelo gênio do pai Romeo, mas conseguia ter flexibilidade suficiente para superar muitas diferenças. Aprendeu com Renan que tudo aquilo que se fizesse por vingança ou por ódio e que viesse a machucar a si próprio, não deveria ser feito. Aprendeu bem! Mas naquele momento não podia voltar atrás. Tudo tinha sido frágil demais e ela sabia que não precisava mais conviver com tanta instabilidade. Sabia que Renan estava com sérios problemas com o filho do primeiro casamento mas, por outro lado, sabia também que ele jamais admitiria isso e, além do mais, ela também estava passando por uma fase muito difícil.

Outra onda, só que dessa vez muito forte, lavou-lhe o rosto ... aquele rosto que, nos últimos dias, não mais era visto no espelho, aquele rosto que estava perdendo o brilho mais uma vez.

Ana Alice roçou as mãos na areia e, depois de muitos reveses na vida, percebeu que continuava a mesma, que acreditava no amor, no companheirismo, na amizade, no olho no olho, mas que para isso ocorrer, era preciso “admiração pelo companheiro”, e isso Renan lhe tinha roubado.

No retorno à pousada, fez um lanche, passou creme em todo o corpo, pois estava infestada de picadas de borrachudos (como não lembrara de colocar repelente antes de ir à praia?), e decidiu arrumar-se, pintar-se e entrar no salão principal, disposta a conversar com alguém, não sobre o amor, mas sobre qualquer assunto que não comprometesse a sua vida em nada.

Rosalva
Enviado por Rosalva em 04/06/2010
Reeditado em 14/06/2010
Código do texto: T2300171