COMPUTADOR. TERAPIA. HÁBITO. VÍCIO.

Uma afirmação de um amigo motivou a presente crônica. “Não escrevo como terapia”. Terapia em semântica vai de “curar, tratar e cuidar”, tratamento de doentes, até “toda intervenção que visa tratar problemas somáticos, psíquicos ou psicossomáticos, suas causas e seus sintomas”, como apontam dicionaristas de ponta.

Quem não tem interior somatizado ou é santo ou realizou-se na vida monástica.

Com segurança, nunca afirmei ter culpa de nada, conscientemente, e fiquei somatizado, infantilmente, por alguns dias, embaixo de toda minha experiência de vida profissional e comum, com a morte do irmão desse mesmo amigo que conhecia desde pequeno, por não ter “interferido” na feitura de necropsia em seu corpo, imposição legal e obrigatória, para saber sua “causa mortis”. Cheguei mesmo indevidamente, já que falta nenhuma cometera, a me desculpar com meu amigo. Abrindo o livro de minha implacável consciência destaquei que a lei é meu norte datam mais de quarenta e cinco anos, e falta cometeria se interferisse, por todos os motivos da ocorrência e circunstâncias da morte.

Dou o exemplo próprio para mostrar que “cuidei” rapidamente do problema somatizado, tolo e desproporcional à causalidade. Fiz terapia própria, criei para mim o inexistente. A necropsia tinha que ser feita, era impositivo. Ao Estado, à lei, interessa saber a causa da morte em determinadas circunstâncias.

Perdi uma irmã faz menos de quinze dias pelo mesmo motivo que matou o autopsiado, mas minha irmã foi atendida pela filha, não morava sozinha, e atendida em hospital cardiológico para onde foi levada, onde estive permanentemente presente desde o primeiro momento acionando tudo ao meu alcance para seu melhor socorro, socorrida não sobreviveu.

Não precisou de “autópsia”, foi atendida, faleceu em mãos médicas, era conhecida a causa de seu passamento e razão da morte.

Estou precisando fazer terapia comigo mesmo para “digerir”, como diz minha acupunturista, a perda de minha única irmã, pessoa que inundou o mundo de alegria com sua irreverência italiana.

Fazemos terapia sempre em nossas vidas, escrevendo principalmente, aqueles que tem como eixo da vida escrever desde que nasceram praticamente, e de todas as formas, inclusive profissionalmente, como ocorreu em minha existência. Colocar para fora seus sentimentos. Fiz um artigo entre lágrimas que com dificuldade enorme li no dia de seu sepultamento.

Pura terapia, coloquei para fora minha dor que punge fortemente e me persegue a todo instante onde estiver. Não há digestão para apagar o amor envolvido na saudade. Felizes os mortos que os vivos não esquecem.

Terapia tem vários andamentos.O computador salvou milhares de pessoas do ócio absoluto, pela terapia sim, conheço muitos nessa condição, fazendo comunicabilidade com o mundo exterior do que prescindiam, segregados que não podiam fazê-lo, necessidade fundamental do ser humano para aqueles que não saem de casa, os inválidos, os deprimidos, idosos segregados de todas as espécies. Isto é terapia ocupacional, não os faz, contudo, artistas, literatos, escritores, e estes enclausurados têm o direito legítimo de assim se conduzirem, e nada nem ninguém sobre isso pode ou deve “achar nada”, ou determinar o que devem fazer, puro achismo e pretensão da insciência, conhecimento pálido de humanidades, todas.

Se vivem noite e dia no computador é pura terapia, desejável, festejada, aplaudida, curativa do ócio anterior, mórbido. Outra coisa é o hábito como tenho e milhares têm, de escrever alguma coisa no computador, como agora faço, ou profissionalmente, substituto da pena e da máquina de escrever de outrora, ou de se comunicar e pesquisar sobre seu gosto.

Todo mundo tem esse direito e ninguém tem condições de alvejá-lo sem estrutura para tanto, intelectual e de preparo profissional.

Outra coisa é o vicio, é estar vinculado ao computador, morto para o mundo, nada mais ouvindo nem se expressando a não ser virtualmente, mesmo podendo.... podendo sair e ver o sol e não o fazendo, podendo vencer obstáculos e ficando inerte e inerme para vencê-los. Neste espaço não mais temos terapia, mas seu inverso, todas as facetas do vicio que só viciados profissionais conhecem.

A terapia ocupacional, egressa do computador, ausente o vício, é das mais ricas e promissoras ferramentas que o invento colocou disponível para a humanidade.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 04/06/2010
Reeditado em 05/06/2010
Código do texto: T2299000
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