Clodomir Morais - O dia em que voltou para casa

(.......Passamos todo este domingo, na expectativa da chegada dele. Durante anos, por toda a nossa infância e adolescência, crescemos apenas tendo notícias, através dos jornais revistas e, através dos parentes. Santa Maria da Vitória também foi atingida pela ditadura militar que assolou o país desde aquele fatídico dia 31 de março de 1964 quando, houve o famigerado golpe militar que, durante anos ensinaram a nós nas aulas de EMC, Educação Moral e Cívica, da necessidade da revolução, que existiu para combater o “comunismo” que ameaçava a“democracia” no Brasil o que, na verdade, era uma grande mentira. Houve sim,um golpe militar simplesmente, fatídico impingido pelos militares.

A partir deste momento entre atos institucionais, inclusive o mais impopular de todos eles, o AI 5 , cujo ministro da justiça na época, era o Luís Antônio da Gama, e, a pedido do então Presidente, Costa e Silva, foi editado como o maior instrumento de poder dos militares, acima até da Constituição Brasileira, o qual foi utilizado como a maior arma mortífera contra os cidadãos brasileiros. Esta página negra na nossa história, foi colorida de vermelho, mas não o vermelho do comunismo e, sim, o vermelho do sangue derramado nos crimes oficiais das polícias do regime, das torturas ,das expulsões, todos os tipos de degradações que se pode aplicar ao ser humano,a ditadura militar,no Brasil, o fez. E nesta grande leva de cidadãos cheios de ideais em busca da democracia ou, em busca de um país melhor, um filho ilustre de Santa Maria da Vitória, também foi atingido por esta avalanche de fardas.

Mais o tempo foi passando, e, os militares, já perdendo o controle da brincadeirinha de governar o Brasil, e, sofrendo pressões fortes das comunidades estrangeiras, campeadas pelos filhos exilados ou fugidos, e a crescente juventude idealista do País, que já clamava por democracia, a anistia seria uma questão de tempo , e ela veio.

Todos os filhos que foram expulsos ou fugiram do País, começaram a voltar à terra natal, para reconstruí-la e , o nosso irmão, filho de Santa Maria da Vitória, também estava de volta. Já era noite quando as buzinas dos carros que aguardavam a chegada dele com a família, começaram a soar ao longe, na estrada que liga Santa Maria à Santana dos Brejos e que se prolongava até a cidade de Brasília, palco da ditadura.

À medida que a carreata passa pela rua Rui Barbosa, a rua em que eu moro, começamos a segui-la até o jardim Jacaré, na Praça Adão Fé Souza, outro grande nome de nossa terra, onde agora é recepcionando pelas autoridades locais, tendo ao seu lado na recepção uma senhora, que tenta ampará-lo o tempo todo.

Ao começar a falar, as lágrimas rolam-lhe dos seus olhos, a voz embarga, e, a senhora ao seu lado, dá-lhe um lenço e ele vira-se para ela e lhe diz: Obrigado, senhora, e ela lhe responde: Morais, sou a sua irmã Biliska. Aí o abraço torna-se mais forte, mais emocionante; emociona a todos que estão aqui vivenciando e vendo este momento histórico, maravilhoso. Percebo que, até o rio Corrente, para de correr por alguns segundos para reverenciar este momento ímpar. Noto isto pelo barulho das águas que sumiu por algum instante; até as estrelas sobrepuseram as nuvens e brilham intensamente, parecendo que estão aplaudindo este momento histórico.

Falo com os meus botões e, penso: O abraço da Biliska neste momento, representa o abraço da mãe e do pai , que ansiavam por este momento mas não podem estar presentes, por já terem partido deste mundo. Ela a irmã que, quando ele foi preso pela ditadura, era ainda criança, é a representante oficial dos pais neste momento de felicidade e, agora tem o primeiro contato físico com o irmão. Engraçado esta história. Uma irmã conhecendo um irmão pela porimeira vez, depois de décadas ,pessoalmente, coisas provocadas pela ditadura de 1964. Ele não só está retornando para a terra natal, como, pela primeira, vez irá abraçar a irmã, os seus sobrinhos, creio eu que, ele só os conhecia por fotos.

Estou falando deste Domingo histórico em que Clodomir Morais volta para o seu berço natal, e nós, a nova geração desta terra de tantas gerações, estamos pela primeira vez diante de um personagem, de livros, pois estando ele vivendo tão distante de nós, era como se fosse um artista de cinema onde só vemos nas telas. Agora hoje, para nós, ele é concreto. Sei que muitos pais abraçarão seus filhos que estão retornando; sei que muitos filhos não encontrarão os seus pais, por já terem falecidos; sei que muitos pais terão de sofrer com a angústia de não saberem de fato, o que ocorreu com os seus filhos, tendo de conviverem com a palavra ”desaparecidos”e isto é cruel. O País tem que prestar contas deles. Pelo menos exarar o que se foi feito, para amenizar as angústias dos entes queridos......)

Nos dias que se seguiram à chegada do Clodomir Morais, a nossa geração teve aulas sobre a cidadania, sobre os direitos humanos, sobre reformas agrárias no mundo inteiro, e, além disto, Clodomir Morais contribuiu, e muito ao ajudar o Kinkas Lisboa Neto a concretizar o sonho da criação da Biblioteca Campesina doando a casa da sua mãe, para que se concretizasse este sonho, e foi a partir da Campesina, que a juventude de Santa Maria da Vitória começou a ampliar o hábito da leitura.

Clodomir Morais, agradeço a Deus por você ter nascido na minha terra e ter contribuído para engrandecer o seu nome. O abraço da sua irmã, no palco do jacaré, foi um dos momentos mais lindos que presenciei. Nem o comício das diretas já que assisti aqui em São Paulo emocionaram-me tanto. O abraço da Biliska foi o selo do retorno do filho a sua terra natal ,a terra natal que você tanto ama e orgulha.

SEJA BEM VINDO IRMÃO

Esta mensagem foi escrita para ser publicada no posseiro,

Mas não foi possível à época.

Relato feito por Joãozinho de Dona Rosa ao Aristórbio.

O fim do AI-5

Em 13 de outubro de 1978, no governo Ernesto Geisel, foi promulgada a emenda constitucional nº 11, cujo artigo 3º revogava todos os atos institucionais e complementares, no que fossem contrários à Constituição Federal, "ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial".[6], restaurando o habeas corpus. A emenda contitucional entrou em vigor em 1º de janeiro de 1979.

FONTE WIKIPÉDIA