Amor estanque... Oque é?!
O amor estanque é amor que não foi levado a termo e que foi interrompido abruptamente, ou seja, amor cuja geografia não foi plenamente explorada, razão pela qual é eterno na possibilidade do vir a ser. Pois sempre haverá campo imaginário para sua realização. Semelhante a hipótese de amor ímpar, que traz a música de Chico Buarque, em Futuros Amantes.
Um monte de portas não foi aberto e outras tantas deixaram de ser. Assim o amor tornar-se sentimento ainda não vivido, ávido por corpos que o materialize, espreitando nos recantos mais remotos e menos inesperados pelos incautos para apossar-se de seus corpos e, assim realizar o maior de seus propósitos... Servir como armadilha de vida, cuja finalidade é tão-somente nos capturar de forma eterna no ciclo do tempo existencial da vida humana. Porém, visto desta forma, apenas a componente da sua funcionalidade se salienta.
Pelo lado de sua funcionalidade, o amor romântico que une pessoas afins diferentes pelo sexo é como uma árvore. Precisa ser regada constantemente e cultivada de maneira correta para que possa crescer e florescer. Porém, como uma árvore este amor por mais que seja cultivado de maneira correta, ele não é eterno, tem um ciclo que quando se completa ele simplesmente acaba ou morre, assim como morre uma árvore quando completa o seu ciclo de vida.
Existe, entretanto, algo entre todas as coisas e sobre todas elas que transcende esta propriedade. Algo que reside na dimensão da percepção sensorial, e que faz contato em sede de sensações e depois desce em gradações até o nível da robusteza da racionalidade objetiva. Este algo é a sutileza que dá o norte à paixão do santo, a inspiração do gênio e o ânimo por trás de todo impulso criador.
Este algo é o espaço incomensurável que também dá à vida as mais altas paixões. Onde se refinam a sutileza e a profundidade do gozo, e que sem dúvida de dentro desta perspectiva se ver com asco as festas brutais dos sentidos. Dá para então imaginar a música que é a vida fundida na harmonia do universo.
Alguns chamam esse algo de essência, outros de espírito ou alma... Porém não importa o nome, esse algo não pertence ao mundo concreto . Advém de um lugar onde que nem nos sonhos nos é permitido visitar. É o nascedouro do broto de “Lotus” cuja explicação foge longe da sabedoria do concebível, e, por outro lado qualquer tentativa de explicar o inexplicável é no mínimo uma tentativa estúpida.
A contemplação da catedral do amor sublime, edificada no terreno da transcendência, cuja arquitetura se mostra toda insculpida em mármore carrara e adornada com pedras preciosas, é certamente a fonte da inspiração de toda criação humana e berço de todas as formas de sentimentos. É muito provável que é de dentro de seus jardins, entre incontáveis formas de flores, que se colhe a flor e a semente da amizade.
Esta flor amizade contém um poder infinito. O poder desta flor não reside na capacidade de deter o projétil disparado por uma arma, mas sim na capacidade de desarmar corações empedernidos. Uma vez que pode transformar a aridez do deserto da solidão em jardins de onde se extrai a poesia de salvação para falta de humanidade. Porém, sabemos que a poesia por si só não salvará o mundo, mas certamente sem esta poesia o mundo não tem salvação.
Todavia nada acontece por mágica, ou melhor, a mágica das realizações passa necessariamente pela objetividade do trabalho. Então se não abrirmos os espaços cultiváveis em nossos corações aos nossos jardineiros, nada então florescerá em nós além da aridez contida na amargura de um mundo sem esperança.
Um retrato claro deste sentimento incomensurável de amizade pode ser extraído do célebre poema “Estatuto do Homem”, de Thiago de Melo, que foi uma resposta ao golpe militar de 64, quando ele renunciou ao cargo de embaixador no Chile, cujo trecho de seu “artigo IV” faço questão de transcrever agora: “...Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O HOMEM CONFIARÁ NO HOMEM
COMO UM MENINO CONFIA EM OUTRO MENINO...”.
Veja que a poesia contida no sentimento de amizade é o elemento essencial para transformação das pedras dos caminhos, em castelo de contemplação à Paz.
Portanto, a amizade é assim como se fosse amor estanque que não acaba, pois se alimenta na dimensão do vir a ser como perspectiva de realização, e como consequência, acaba por nutrir os corações dos desesperançados animando-os para o cultivo de um novo amanhecer.
( Fábio Omena)