Desnecessárias, as perguntas. Nesse momento, meu amor dorme. Como criança, sobre lençóis de pura inocência, com um sorriso desconhecido nos lábios, cansado do mormaço do dia, dos barulhos anônimos de um mundo nublado. Desnecessárias também, as respostas. Como disse, meu amor adormeceu. De exaustão de mulher. Do-tudo-ao-mesmo-tempo, de pudins e bolos; exaustão de máquinas e máscaras e mágicas. De exaustão de amor. Dos presentes de datas marcadas, do-amo-você compreensível, das memórias encapsuladas, engolidas de tempo a tempo. Pois é. E pretendo deixá-lo dormir. Deixá-lo hibernar feito um urso bem alimentado.
Tenciono mantê-lo por tempo indeterminado assim livre, sem dar-se, sem expor-se. Coisa de autoconstrução. Precisa de pequenas reformas: talvez de outras e mais modernas cores, de arremates mais esmerados, de equilíbrio de formas e peso. Antes que desabe, antes que careça de completa demolição.
Na verdade, quero vivê-lo cem por cento a cada dia, porque essa divisão dois para um e noventa e oito por cento para o outro, não é justa. Não é justa para um, nem para outro. Também ele não quer esses noventa e “outro”. Se pudéssemos medir isso matematicamente – aqui só uma amostragem, seriamos frios demais – descobriríamos estar amando demais o outro e, analisando, o demais está gerando resultados incompreensíveis. Está mesmo comprometendo o edifício inteiro. Foi minha conclusão.
Pode ser que ele queira acordar de um momento para o outro, não tenho como impedir. Amor não tem dono, a gente é que tenta domesticá-lo e pensa que conseguiu. Como agora acontece. Por momentos pensei em deixar tudo como está. Tudo na santa paz, como se diz. Eu quero, você dá; você quer, eu dou. E quando você não quis? E quando eu não quis? Aí senti o arrepio da obrigação, o afeto da gratidão, a alegria do agrado. Eu tive medo da fera. Usei desses afagos, mas percebi que a mão que alimentava poderia ser mordida. Ingratidão? Não sei.
Hoje acordei e percebi que ele continuava lá, encolhido sob os lençóis. E apreendi o quanto silencioso, conformado e pacífico move-se. Tanto, que adormeceu. Descobriu entre nós esse silêncio comprometedor do sentido e não dito, do dito e não sentido. Penso que fazê-lo acordar de súbito envolve certo risco e, não quero arriscar. Quero mesmo que ele volte a sonhar, que exclame, que aborde, que interrompa, que admita, que diga não por algumas vezes. Isso mesmo. Quero que ele volte a sonhar e, ao acordar, me encontre inteira: sem trechos de mãe, sem pedaços de mulher, sem lascas de amante. Se você entender, já bordamos na estrada nosso primeiro passo. Se não, cante para o seu amor descansar. Pode ser que ele esteja cansado do meu. Fico por aqui,
Beijos,