Poetas portugueses
No livro da Cecília Meireles, sobre os poetas novos de Portugal em edição de 1943, foram selecionados 34 poetas, incluídas, apenas duas mulheres, Fernanda Castro e Natércia Freire; além, de Irene Lisboa, que escrevia sob o pseudônimo de João de Falco. Consta da relação, o poeta Antonio Botto, que conheci pessoalmente, quando o visitei internado na 14ª enfermaria da Santa Casa do Rio. Estava em companhia da mulher e reclamava, insistentemente, do mau tratamento que davam a um poeta...Nunca tinha lido nada de sua autoria e o achei muito esclerosado e com sífilis nervosa. A poesia dele é interessante:
De saudades vou morrendo e na morte vou pensando; meu amor por que partistes sem me dizer até quando? Na minha boca tão triste ó alegrias cantai! Mas quem acode ao que eu digo? Enchei-vos d´água meus olhos, enchei-vos d´água, chorai! (Antonio Boto)
Nasceu em 1902, e era funcionário do Ministério da Justiça de Portugal, tendo publicado suas trovas em 1917. Eu o conheci quando ele tinha 57 anos.
Morrer jovem, eis a minha aspiração; não me agrada chegar à velhice e viver inutilmente na sombra renunciando, privado...Morrer jovem e de rosas coroado! (Antonio Boto)
Uma poesia filosófica de Antonio Botto:
Homem que vens de humanas desventuras, que te prendes à vida e te enamoras, que tudo sabes e tudo ignoras, vencido herói de todas as loucuras; que te debruças pálido nas horas das tuas infinitas amarguras e na ambição das coisas mais impuras, és grande simplesmente quando choras; que prometes cumprir e que te esqueces, que te dás à virtude e ao pecado, que te exaltas e cantas e aborreces; arquiteto do sonho e da ilusão, ridículo fantoche articulado, eu sou teu camarada e teu irmão! (Antonio Boto)
Inicialmente considerei uma obra-prima; hoje sei que exagerei, levado pela emoção. No prefácio, Cecília Meireles se refere a João de Falco como uma mulher sensível, inquieta e amarga. Mas em matéria de pseudônimos (?) ninguém suplanta Fernando Pessoa. Nascido em 1888, o poeta se desdobrou em outras personalidades e explicava todas elas...Dava-lhes nomes, datas de nascimento e cidade natal. Assim, Ricardo Reis teria nascido no Porto em 1887, antes do próprio Pessoa, Alberto Caeiro em Lisboa, em 1889 e Álvaro Campos em Tavira, em 1890. Indicava com precisão o momento em que cada um se manifestava...Caeiro por inesperada inspiração; Ricardo Reis, após uma deliberação abstrata e Álvaro Campos, quando sentia impulso de escrever sem saber o que...Maria Betania nossa festejada cantora baiana preferia Fernando Pessoa, pois, recitava em seu show no Teatro da Praia, Eros e Psique: Conta a lenda que dormia uma princesa encantada a quem só despertaria um infante que viria além do muro da estrada...
Como dizem que de poeta e louco, todos nós temos um pouco, eu transcrevo a poesia de um poeta definitivamente louco, Ângelo de Lima, português que morreu no manicômio em 1915: Pára-me de repente o pensamento, como que de repente sufocado na doida correria em que levado ia em busca da paz do esquecimento; pára surpreso, excrutador, atento como pára um cavalo alucinado ante um abismo súbito rasgado; pára e fica e demora-se um momento; pára e fica na doida correria; pára à beira do abismo e se demora e mergulha na noite escura e fria, um olhar de aço que essa noite explora; mas a espora da dor seu flanco estria e ele galga e prossegue sob a espora! (Ângelo de Lima).
É lógico que um livro tratando dos poetas novos de Portugal, em 1943,
decorridos mais de meio século pode soar estranho...mas a literatura é assim mesmo!