A invasão do aparelho celular
Eu demorei a me render aos encantos do meu primeiro celular. Só quando foi mesmo necessário, quando eu me enveredei no campo de prestador de serviços autônomo, precisava ser encontrado pelos clientes. Aí não teve jeito. Ainda assim comprei de segunda mão.
Há pessoas que usam o seu com gosto e satisfação. Na mesa, no banheiro, etc. Na hora de ir dormir, o “tamaguchi brasileiro” fica ali de plantão, no criado mudo, ao alcance das mãos. E como aquilo toca de madrugada! Inexplicável. E tudo engano, trote, os escambau.
Num domingo desses, eu estava na missa, e durante o ato religioso, a meia distancia de mim eis que toca o trem, a todo volume. A proprietária, claro, atendeu e saiu do templo para conversar com seu interlocutor lá fora, deixando Deus e todos os santos e anjos à espera.
Uma vez eu estava perto de um bonachão, todo cheio de pose. O mesmo sacou seu querido aparelho, fez umas ligações e começou:
- Você viu o preço? É isso mesmo. Se tiver a 1.500,00, pode fechar 5.500. É. Pode pagar à vista. Está autorizado. Exatamente. Pode fechar. Não, pode fechar à vista mesmo. Ele passa a conta eu efetuo o pagamento.
Eu ali do lado, comecei a diminuir meu já minguado tamanho físico, até que minha altura total mal chegava aos seus joelhos. Caracas, o homem é poderoso mesmo. (1.500,00x5.500= R$ 8.250.000,00). E autorizou pagar à vista. E sem cerimônia nenhuma, ali no meio de todo mundo, com voz Cid Moreira, para todos ouvirem. Como diz a humorista: Tá podendo!!!
Quem não se lembra de um episódio recente, a jovem ofendida, de frente ao prédio do ex amado, aos gritos, querendo de volta seu chip, mobilizando quase até os bombeiros. Virou até Hip-Hop.
Dirigir falando com celular é norma geral. Vejo muitas pessoas que fazem o ritual (nessa ordem): chega ao estacionamento, entra no carro, dá partida, saca o bichinho, faz a ligação e sai pela rua. Me pergunto: Estava parado, estacionado. Não custava falar primeiro e sair depois? E não me perguntem se nunca usei o meu ao volante. Não quero me denunciar nem mentir.
Essas são apenas algumas mostras do poder do celular.
Antigamente eram os tijolões. Caros e dava status. Muito status. Hoje, minúsculos e poderosos, tem um escritório completo embutido ali. E freqüentemente alguém porta 2,3 e até quatro aparelhos:
1 para ligar para fixo; 1 para ligar para celular de outra operadora; 1 para ligar para celular da mesma operadora; 1 para mandar torpedos... e assim vai.
Meu filho caçula comprou um Multi Service, Office Center, Maxi,Total Flex, Tetra Funcional, por uma ninharia de R$ 1.200,00! E pagou com seu próprio salário e ficou feliz da vida, realizado. Com essa grana eu compraria um mundo de coisas e ficaria também realizado. Menos um aparelho celular.
O meu atual... Bem: hoje estou feliz com 1 de 2 chips. Só que o danado come uma bateria!!! Se fosse gasolina, gastava mais que Maverick V8. E quase nunca tenho créditos. (pai de santo, só recebe).
Um amigo meu, casado, se a digníssima liga e ele não atende, é encrenca na certa: estava em lugar impróprio, fazendo coisas impróprias, com pessoas impróprias. E não tem argumento. É bateu levou.
Eu sempre fui meio desleixado com o meu.
Me dou ao luxo de esquecer de carregar a bateria, de deixar desligado, esquecer no carro, na gaveta, no sofá. Acho que para mim é a mesma coisa que usar meus óculos de grau: os mesmos são encontrados (ou perdidos) em qualquer lugar, menos na cara.
Confesso, sou relapso. Dei graças a Deus quando a poucos dias atrás quando fui renovar a minha CNH, passei raspando, mas não precisou ficar registrado “Correção visual”. Tenho mais cinco anos garantidos sem eles obrigatórios no documento.
Mas já fiz graça para muita gente. Vejamos:
1, esqueci no balcão onde trabalhava, tive-o abduzido;
2, perdi dentro do ônibus;
1 deixei cair dentro da água, meu filho cismou de secar no microondas, pipocou tudo;
1 dei para meu filho;
1 dei para meu pai;
2 dei para a ex namorada;
1 me abduziram de novo, de essa vez na minha mesa de trabalho. Mas tinha câmera, o coitado foi para o xilindró, pois levou outras coisas da empresa. Mas já tinha dado sumiço no meu;
1 esqueci dentro do carro e com o sol ficou todo retorcido e fez greve de silêncio;
1 deixei cair no estacionamento de minha casa e passei o carro sobre ele. É Claro(não é o nome da operadora) que ficou um celular estuprado. Só aproveitei o chip.
Na verdade esse aparelhinho ocupou lugar de destaque em detrimento de N outras prioridades do cotidiano. Pergunte a uma criança de 7 anos, o que gostaria de ganhar de presente de aniversário. Há 90% de chances de dizer que quer ganhar um celular, se ainda não o tiver.
Ele já dominou as salas de aula, reunião de amigos, jantares, confrarias, mesa de bares, filas de banco, entrevista de emprego, visita a enfermos, e até no motel, na hora H o bichinho está lá, de plantão.
E questionados, muitos vão às barras dos tribunais, requerendo o direito de livre expressão e de comunicação.
Para as meninas é chique andar com um no bolso traseiro do jeans. De preferência colorido, com vários decalques pregados, de menininhas super poderosa, Mickey, borboletas, coração, I LOVE YOU. E com uma alcinha dependurada. E às vezes com um balangandã na ponta dessa alcinha. Para os meninos, um sóbrio, porem poderoso. Conectado na internet, troca fotos e email, acessa Iogurte (quer dizer Orkut), manda torpedos, fotografa, filma, tem GPS, etc, etc. E com sorte faz e recebe ligações.
E não tem jeito: estejamos fazendo qualquer coisa, ele ocupa a prioridade. Seja qual assunto, até mesmo velório, é ele tocar, o proprietário para o que estiver fazendo ou falando para atender. Instantaneamente.
E se ele não toca? Começam a ficar desesperados, confere se a bateria está com carga, se tem linha, se tem sinal, liga para alguém só para conferir se está tudo certo.
É sim uma grande utilidade. Encurta distancias.
Mas até hoje não entendo se os adotamos ou ele nos adotou.