MORAES x PICASSO

Aviso aos navegantes: se você acha que este texto falará de arte, música, pintura, poesia, genialidade, cultura... pode parar por aqui. Sinto decepcioná-lo, mas é melhor do que fazer com que você continue e se frustre mais tarde. Na verdade este texto é pura e simplesmente sobre amor. Melhor: sobre as vicissitudes do amor.

Calma, já explico.

Aliás, é bom reforçar que é sobre as conquistas e perdas do amor, pois é capaz do leitor tender a levar a coisa toda para aquele amor sublime, das métricas e rimas, (afinal, se tem Vinícius e seus poemas no meio, corremos o risco de cair nesta armadilha).

Qual a relação desses dois mestres com o tema? Explico. Eu procurava algum gancho para escrever sobre o assunto (o segundo do especial “5 temas”) e descobri que Pablo Picasso e Vinícius de Moraes têm entre si muitas coisas (além da genialidade) que podem tanto ser comuns como antagônicas. E no que se refere ao amor (mais ainda: no que se refere aos amores), são verdadeiros ícones. Senão, vejamos: ambos casaram muitas vezes – e bota ‘muitas’ nisso. São fenômenos no que se refere a conquistas.

Contudo, agiam de maneiras diferentes. Vinícius (prefiro chamá-lo assim, na intimidade) era poético no início. Seduzia, compunha em homenagem e seguia assim enquanto seu amor durasse. Sentia que o peito explodiria à simples passagem de uma bela morena (sim, ele também preferia as morenas) de vestido branco de renda. Passada tal fase, aceitava a nova e era vida que segue. Já Picasso, dizem, pintava suas mulheres na chegada e na partida. Convencia-as – talvez de maneira menos aberta que Vinícius – com sua arte, mas as destruía com a mesma velocidade quando tudo acabava. Um mostrava seus sentimentos superlativamente no início, mas murchava no final; enquanto o outro adentrava ao amor de forma mais fluída, porém queimava as vestes no ocaso de seus amores.

As três dançarinas

Primeira obra de Pablo Picasso com fortes distorções. Atribui-se sua criação ao fracasso de seu casamento com Olga.

Eram homens (ou deuses - o que explicaria a liberdade de ação com que tocavam a vida) viscerais. Só que Vinícius de Moraes era mais malandro, ganhava na rima, e deixava que tudo se esvaísse no final. Picasso, com o perdão da palavra, sacava o pincel e, quando tudo acabava, pintava em telas a mágoa do fim. O fato é que tiveram muitas mulheres, à distância, juntas, separadas, conhecedoras ou ignorantes das aventuras de ambos.

Mas então, qual deles seria o mais sincero? Qual seria o mais verdadeiro? Qual dos dois seria o mais dissimulado? O mais enganador? Qual compreenderia mais? Qual o ingênuo? Qual o esperto? Qual especulava? Qual sonhava? Qual jogava? Qual deles se aproveitava? Qual vivia? Qual preferiria morrer a separar? Qual amava a liberdade acima de tudo? Qual queria machucar e qual queria esquecer? Qual saberia explicar? Qual enlouquecia? Qual deles entendia? Qual se perdia? Qual conseguiria prever a hora, o jeito, o local, a razão e a proporção da tristeza do fim?

Os dois?

Todos?

Nenhum... de nós?

Picasso e Moraes representavam os dois lados de uma balança. Dualizavam com personalidades distintas. Um trazia a semelhança à moral no sobrenome, o outro a representação (para nós, mentes-sujas) da luxúria fálica. O santo, do pau-oco; o canalha, sofredor. Qual deles estaria certo? Aquele que ludibria para ter o que quer, mas se desfaz depois; ou aquele que se entrega e, ao perder, vinga-se por se sentir enganado? Ou seria tudo ao contrário? No fim das contas, são só perguntas... E o que é o amor, se não eternas perguntas sem respostas.

De qualquer forma, há jeito de se viver sem amar loucamente Moraes ou Picasso? Seja você Moraes ou Picasso?

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