Insônia de um sonho.
A noite estava fresca, dourada pela lua cheia e emoldurada por milhões de pequenos astros cintilantes.
Fragmentos de diamantes no infinito.
Esquecida sobre uma pedra ainda morna do sol que coloriu/ cobriu e aqueceu o dia, podia sentir os respingos frios das ondas que brincavam no vai e vem do mar.
Uma coleção de lembranças confundia sua mente já inebriada pela maresia, á luz tênue e trêmula da vela sobre a mesa, brigando por manter acesa a chama colorida.
Não queria acreditar em si mesma, mas sabia que aceitar era inevitável, afinal, pensava nele á cada fração de segundo.Ouvia seus olhos como ouvia estrelas cadentes cortando a noite.
Via seu rosto, como via o vento insistente rodando folhas e redemoinhos.
Lia seu cheiro no balanço suave de acalanto e mistério do mar que despejava o oceano em ondas alegres e persistentes.
Um gole na taça de vinho, um reflexo na luz da vela e pronto: lá estava ele habitando seu íntimo novamente...
No início veio camuflado, ou ela assim o queria, para não assumir que ele é mais inteiro em seu momento do que ela o sabe com certeza.
Se fechasse os olhos poderia tocá-lo, estava distante e tão logo ali...
Gostava dele em tudo: a voz, o sorriso o cheiro, a pele e até o que ficava insinuado no ar.
Não tinha mais idade para acreditar em príncipes, sapos ou seres mágicos, mas sabia que ele vinha de longe, de um reencontro de almas, talvez. O fato é que habitava e mesclava de mistérios e desejos o seu mundo ( caldeirão interno).
Com passado, futuro e presente, mas com tempo indeterminado para acontecer. Aconteceria?
E ela o sonhava como homem. Configuração de amor, de noites de lua, estrelas se derramando em gemidos e suspiros na madrugada e transbordando de prazer e gozo, como o sal na maresia das marolas que silentes brincavam para não a despertar do sono de um sonho.
Sabia que o queria, que o desejava. Percebia que poderia viver uma loucura deliciosa ou uma dor louca.
Sabia por convicção que poderia chorar de prazer com lágrimas, sorrisos e sussuros se misturando com beijos e lambidas na pele quente e suada. Sabia que poderia rir e chorar de dor de sofrer por querer, precisar e sentir a falta em momentos de impossibilidade. E se emaranhar em braços/ abraços e pernas no momento do encontro/ ainda que com hora marcada, mas não necessariamente com tempo para o fim.
O coração já havia lhe ensinado que a lembrança não é o que guardamos e sim o que perdemos em nós mesmos.
Soluçou ao pensar em suas mãos ternas e firmes tocando seu corpo, desalinhando seus pensamentos e cabelos. Lembrou do susto que teve ao pré sentir / pressentir a porrada de sensações e inquietações que invadiu sua vida e sua alma quando o descobriu em si.
Como criança, contou estrelas, sorriu com o baque mais forte das ondas na pedra, olhou a taça, bebeu sorvendo lentamente o último gole de vinho e saiu pela madrugada (beira- mar) feito pirilampo, brilhando de desejo e se apagando daquela solidão, em meio a imensidão de astros, areia e um imenso oceano.
Psiu! Silêncio. A noite já é madrugada e queria velar seu sono, sentir o orvalho frio e acordar..., afinal, a garrafa secou, a luz apagou e a manhã já estava logo ao lado do relógio. Mas ainda havia tempo para sonhar.
Nasceria a manhã azul dourada de céu claro e só restava recomeçar a contar segundos para montar o grande quebra cabeças de horas/ dias, para quem sabe, na realidade encontrá-lo, na essência guardá-lo para em sonhos outra noite se entregar a esse doce e misterioso desejo.
Márcia Barcelos.
Julho de 1992.