Francisca da Silva, Silva como a maioria dos que me adotaram como mãe. Vinha do alto sertão. Como bagagem, uma sacola de plástico transparente que expunha todos os seus pertences. Uma blusa de propaganda política, duas saias que foram pacientemente costuradas por sua mãe por dias e dias sentada da soleira da porta a ajuntar retalhos na feitura da saia, duas calcinhas já com elástico vencido, um sabonete meio usado, uma pasta e uma escova. Alí tinha tudo seu. Fora isso, só dois olhos azuis, de um azul espantoso, num olhar esbugalhado, assustado.  O medo a apavorava. Seus cabelos em tons claros, esvoaçados, desgrenhados, mal cuidados, ainda mostrava fios dourados.  Francisca era  assustada como uma garça. No meio de sua figura tão largada, existia um brilho que o sofrimento não conseguiu apagar.
               Uma primeira conversa, mal balbuciou seu nome e a razão de sua chegada áquela casa. Segundo ela "aquela doença me pegou". Entendí que deveria dar-lhe um tempo para que a poeira de sua estrada sentasse, para enfim eu conseguir tirar dela algumas palavras. Com o passar dos dias, Francisca foi se desarmando, foi se abrindo, saindo do casulo, e, falando. Francisca tinha um amor, coincidentemente de nome, Francisco. Segundo suas palavras todas as noites, Francisco a usava. Ela nem sempre gostava. E, quando gostava, calava. Alí mulher que gostava, era puta. E, longe dela querer essa pecha.
             Francisca se dividia entre os afazeres da casa pequena de um só cômodo, a lavagem da roupa na poça de água que sobrou no açude, e, o roçado para roçar. Com o tempo, as barrigas foram chegando uma a uma, sem dar tréguas. Era necessário servir ao marido. Ao todo, doze barrigas, apenas cinco sobreviveram. Mas...mas era muito difícil dividir o muito pouco, quase nada com mais cinco...
            No começo do ano, junto com as chuvas que chegavam para molhar o roçado, uma catástofre estava para acontecer. Francisca sente uma dor fulminante no peito. Depois de muito implorar, o marido a leva ao posto médico. Uma breve consulta e ela é encaminhada á cidade mais próxima. De médico em médico, de hospital em hospital, ela vaga perdida, assustada. Que mundo novo é esse que se apresenta a Francisca?
         O laudo é preciso e cruel: Câncer. Francisca volta para casa para dizer ao marido. Logo de chegada percebeu que o terreiro estava varrido, e que um feijão estava no fogo...Voltando da lida, Francisco lhe diz que ela já havia sido substituida já que não mais servia para roçar mato, nem roçar seu corpo. Não servia para o eito nem para a cama. Enfim, ela era uma morta em vida. Muda, ela aceita seu destino e aporta na nossa casa de apoio.
         Estava explicado seu medo, sua dor. De uma vez, perdeu os filhos, a roça, o rancho e principalmente seu grande amor.