OS SÁBIOS

Tive a grata satisfação de conviver mais com um vizinho. Apesar de isso estar se tornando cada vez mais raro, é sempre bom. Pude perceber que ele é um sábio. Eu considero sábios todos aqueles que ensinam a viver de alguma forma. Mas sou maniqueísta nesse aprendizado. Tudo o que aprendi com ele em três dias de convívio eu não quero para minha vida. Os seus ensinamentos começaram com a avareza. O muro do lado da minha casa estava dando uma umidade que passou para a sua garagem. Ele pediu para trocar o reboco e assim combinamos. Ele contratou um pedreiro mas não concordou em pagar-lhe um auxiliar a fim de economizar. Foi ele mesmo o ajudante. Fez massa de cimento nos velhos moldes da mistura com enxada. Colocava nos baldes e carregava no ombro até o local do reboco para o pedreiro. Acontece que ele tem apenas 78 anos. A coluna lhe fez gastar não sei quanto com médico e remédios. O que eu sei é o que ele me disse depois: uma semana sem conseguir sair da cama por causa das dores. Areia e cimento ele não permitia que sobrasse depois da “grande obra”. É muito gasto, então comprava no pequeno varejo, aos quilos, sacos e latas. Só que eu contei, ele foi nove vezes ao depósito de materiais. Mais um prejuízo à combalida coluna. Fora o gasto de combustível e a sujeira no carro pelo menos três vezes ao dia. Deve ter dado uma despesa e tanto nas lavagens. Se a coluna não tivesse atrapalhado, no entanto, acho que ele mesmo iria lavar pra economizar.

Eu não vou falar nada a respeito do carrinho de mão. Vocês podem achar que aí já seria uma implicância minha e que eu não aprendo nada. Foi só um pneu furado. Também o que é uma dor na coluna diante de 8 reais que custa uma câmara de ar nova, não é mesmo? Melhor deixar pra lá. Tem coisas que a gente aprende mas não precisa ficar esnobe por causa disso.

Ele ainda me ensinou que não devemos ter preconceitos. Numa de suas idas ao depósito chegou espumando de raiva porque o rapaz colocou areia a mais na embalagem impedindo de fechar o porta-malas de seu carro. Disse que o rapaz, sendo negro, não sabia fazer os serviços direito. Racismo os sábios nos ensinam que não devemos cultivar. O rapaz colocou areia a mais do que a medida sem cobrar. No dia anterior o outro rapaz havia colocado de menos. Mas era branco, portanto, ponto para ele.

Aprendi também que quem trabalha em um serviço tão pesado por oito horas diárias precisa se alimentar mais do que apenas almoçar. Um lanchinho e água fazem bem. Mas isso eu já sabia, afinal eu também trabalhei muito com serviços pesados. Ô fome que dá na gente! Providenciei isso para ele e o pedreiro.

Ah, eu ia me esquecendo, teve um dos dias que o agente de saúde da prefeitura veio verificar as áreas abertas da casa para orientar sobre os cuidados preventivos com a dengue. Tá feia a coisa aqui na região. Eu abri o portão para a inspeção e na saída do rapaz ele me disse:

- Uai, você deixa eles entrarem assim em sua casa? Na minha eu nem abro o portão. Não resolvem nada!

Não basta a atuação dos poderes públicos na prevenção de doenças e epidemias. Temos que fazer a nossa parte. Nisso eu aprendi com ele que a ignorância atrapalha bastante. Só a sua esposa teve dengue na nossa rua. Pura coincidência.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 31/05/2010
Código do texto: T2290355
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.