LUZ NA ESCURIDÃO

Numa noite escura brilha uma luz na janela onde uma mulher assustada espera o nascimento de seu primeiro filho. Não quer ficar sozinha. O ser que abrigou no ventre por longos meses chegará a qualquer momento.

O marido foi buscar uma ambulância para levá-la ao hospital. Naquele fim de mundo, quando voltaria?

Como em resposta à sua aflição, o marido reapareceu na porta do quarto acompanhado por uma senhora idosa e prestativa que habitava a casinha branca no sopé do morro. Dona Inácia sorriu para ela, sentou-se na beira de sua cama, e sem dizer nada ergueu o véu do mosquiteiro para que visse melhor o seu rosto sereno, seu sorriso amigável. Em seguida começou a cochichar sobre a galinha que sumira no bambuzal naquela manhã chuvosa, e o bezerro que não queria desmamar, essas banalidades.

Percebeu que a vizinha tentava acalmá-la, esforçou-se para mostrar-se corajosa prestando atenção ao que dizia, mas as contrações não a deixavam em paz.

A fraca luz do candeeiro emprestava uma aura de mistério ao quarto. Decidiu olhar o teto para esquecer as dores cada vez mais fortes.

Na noite escura que entrava pela janela, ouviu o barulho de vozes e logo um jovem de jaleco branco surgiu na soleira do quarto, de maleta na mão. Aproximou-se da cama e sem cerimônia, começou a examiná-la. Voltou-se para o marido que esperava ao seu lado e ordenou:

- Ajude-a a levantar-se. Vamos levá-la.

Dona Inácia desaparecera como por encanto.

Não teve tempo de pensar. Os farois da ambulância varreram a estrada e o denso arvoredo enquanto o marido segurava sua mão fria, aquecendo-a com sua coragem.

Ao entrarem no hospital, enquanto ele foi ao balcão de atendimento, uma atendente a conduziu até uma enfermaria repleta de mulheres. Todas gemiam olhando para o teto. Enfermeiras e médicos circulavam apressados entre as camas, conversando e observando quem deveria ser atendida em primeiro lugar.

A atendente que a conduzira até ali, mostrou uma cama vazia. Deitou-se e como por milagre as contrações desapareceram. Passou a distrair-se observando as outras mulheres que gemiam cada vez mais amiúde.

De vez em quando uma mulher gritava, provocando correria de um médico seguido por enfermeiras com uma maca para levá-la, assim foi durante toda noite.

Os gritos a acordavam. Certa hora estranhou o silêncio e percebeu que todas as camas estavam vazias.

Pelo corredor soavam vozes e passos; foi acordada por um médico, que olhou seu prontuário e perguntou se ela sentia dores. Não, nenhuma dor, respondeu.

Daí a pouco, o médico voltou com duas enfermeiras e uma maca e a levaram para a sala de parto, onde a vestiram com uma bata e deitaram numa cama estreita. As enfermeiras retiraram-se. A um recanto da sala viu um cirurgião de touca, avental e luvas de costas para ela, debruçado numa bancada escolhendo instrumentos cirúrgicos.

Naquele momento, suas pernas começaram a tremer enquanto o terror a dominava. Começou a berrar com todas as forças de seus pulmões.

Por sua vez o cirurgião virou-se, berrou em direção à porta fechada para as enfermeiras que haviam ficado do lado de fora e resmungou: Já vi que essa vai dar muito trabalho! Sentiu a agulha no braço e adormeceu.

Algum tempo depois foi despertada pelo choro de uma criança, seguido pela voz do cirurgião: Leve a menina daqui, ela precisa descansar.

MCC Pazzola