No dia em que te perdi...
Não tínhamos dormido a noite toda: eu, você, e o Marcão, neto abençoado, companheiro de todas as horas. Ateu por convicção. Cristão por exemplo! Antes das dores que a levaram chegar, cantamos muito. Claro, marchinhas de Carnaval e todas as músicas de mãe que sabia – seu dia se aproximava! E você, com uma voz límpida e clara, como cristal, cantou-as como a diva que sempre fora. Nada de tristeza. Não queria que você desconfiasse que estava partindo... só cantamos músicas alegres: Chiquita Bacana, Mamãe eu quero-- ah era o que mais queria naquele momento! Nem chamei padre algum. Claro, meu pensamento estava sempre em Deus! Isto bastava. O seu também, sempre estivera! Depois, as dores insuportáveis, o desespero, as alucinações, vieram em enxurrada. Não sabia se ria ou se chorava. Chorar não podia. Assim, engolia as lágrimas.. Mordia os lábios. Transformei-me em uma alexitímica . Rezava baixinho. Os enfermeiros, profissionais afincos, competentes, porém, práticos, robotizados, com uma dose mínima de compaixão, sempre subestimando as dores do paciente e dos acompanhantes: -- o que é desta vez? Tem muita gente aqui como vocês. Parece que esta noite todos os velhinhos resolveram ficar agitados.... fiquem tranquilos, isto é normal. Obviamente, não era a mãe deles que estava com as lancinantes dores do adeus, só acalmadas após receber mais uma dose de “Dimorte” . Às sete fui para casa, descansar um pouquinho, na verdade, não imaginava que fosse tão depressa. Troquei o turno com minha irmã. Precisava preparar o almoço de minha filha e de uma tia também doente. Nem descansei. Voltei voando para o hospital. Alguma coisa me atraía. Quando cheguei, a enfermeira me disse: -- coloque suas mãos aqui, são as últimas batidas do seu coraçãozinho....
Benvinda Palma
Não tínhamos dormido a noite toda: eu, você, e o Marcão, neto abençoado, companheiro de todas as horas. Ateu por convicção. Cristão por exemplo! Antes das dores que a levaram chegar, cantamos muito. Claro, marchinhas de Carnaval e todas as músicas de mãe que sabia – seu dia se aproximava! E você, com uma voz límpida e clara, como cristal, cantou-as como a diva que sempre fora. Nada de tristeza. Não queria que você desconfiasse que estava partindo... só cantamos músicas alegres: Chiquita Bacana, Mamãe eu quero-- ah era o que mais queria naquele momento! Nem chamei padre algum. Claro, meu pensamento estava sempre em Deus! Isto bastava. O seu também, sempre estivera! Depois, as dores insuportáveis, o desespero, as alucinações, vieram em enxurrada. Não sabia se ria ou se chorava. Chorar não podia. Assim, engolia as lágrimas.. Mordia os lábios. Transformei-me em uma alexitímica . Rezava baixinho. Os enfermeiros, profissionais afincos, competentes, porém, práticos, robotizados, com uma dose mínima de compaixão, sempre subestimando as dores do paciente e dos acompanhantes: -- o que é desta vez? Tem muita gente aqui como vocês. Parece que esta noite todos os velhinhos resolveram ficar agitados.... fiquem tranquilos, isto é normal. Obviamente, não era a mãe deles que estava com as lancinantes dores do adeus, só acalmadas após receber mais uma dose de “Dimorte” . Às sete fui para casa, descansar um pouquinho, na verdade, não imaginava que fosse tão depressa. Troquei o turno com minha irmã. Precisava preparar o almoço de minha filha e de uma tia também doente. Nem descansei. Voltei voando para o hospital. Alguma coisa me atraía. Quando cheguei, a enfermeira me disse: -- coloque suas mãos aqui, são as últimas batidas do seu coraçãozinho....
Benvinda Palma